|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CLÓVIS ROSSI
Lei não evita algemas
SÃO PAULO - Brasileiro tem a infeliz mania de achar que a solução
de todo problema passa por um regulamento, um édito, uma lei ou algo parecido. É o caso do uso das algemas. Não tem a mais leve lógica e
praticidade supor que o Supremo
Tribunal Federal (ou qualquer outro tribunal) possa regulamentar
um assunto cujo encaminhamento
correto só depende da cultura dos
agentes envolvidos.
Ou os agentes públicos têm a plena noção de que não podem cometer abusos (no uso de algemas, em
ricos e em pobres, ou em qualquer
outro abuso) ou não haverá solução. Olhemos a vida como ela é.
1 - O STF determinou que algema
só pode ser usada em casos "excepcionais" e de "evidente perigo de fuga ou agressão". Muito bem. Quem
é que decide se o caso é excepcional
ou se há "evidente perigo de fuga ou
agressão"? O policial, no momento
da ação. Portanto, ou ele é devidamente capacitado e sabe que não
pode cometer abuso, ou o abuso
ocorrerá, seja qual for a jurisprudência decidida pelo STF.
2 - Digamos que haja abuso. Com
a nova regra, se é que é nova, os que
sofrem abusos podem recorrer à
Justiça e, portanto, houve avanço,
certo? Errado, na vida real. Pobre
que sofre abuso não recorre à Justiça por medo do aparelho de Estado,
medo não raro justificado. Rico não
o faz, se indevidamente algemado,
para não prolongar a exposição pública de sua humilhação.
3 - Ainda que haja recurso à Justiça, tratar-se-á, em quase todos os
casos, da palavra do policial contra
a da vítima do abuso, já que dificilmente um advogado ou qualquer
outra testemunha neutra está presente ao local da detenção. O policial dirá que a algema se justificava,
o "abusado" dirá que não, e qualquer decisão será necessariamente
arbitrária.
Você não acha que o STF tem um
zilhão de outras jurisprudências a
definir e que, estas, sim, têm efeitos
prático e garantem direitos?
crossi@uol.com.br
Texto Anterior: Editoriais: Flerte com a crise
Próximo Texto: Brasília - Melchiades Filho: Primeiros socorros Índice
|