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Bush estatiza
Intervenção brutal na economia pode até estancar a crise, mas deixará um saldo inevitável de injustiça
PALAVRAS importam, e o
governo dos EUA evita
admitir que estatizou as
maiores empresas de crédito imobiliário do país. Mas foi
exatamente isso o que fez a administração George W. Bush ao
ordenar a aquisição das companhias Fannie Mae e Freddie
Mac. Como resultado, metade do
mercado hipotecário residencial
do país, de US$ 12 trilhões, passou a ser garantida diretamente
pelo Tesouro, ou seja, pelos contribuintes americanos.
A Casa Branca fez uso da prerrogativa concedida pelo Congresso, em 30 de julho passado,
para injetar somas ilimitadas nas
duas agências hipotecárias. Elas
eram privadas, com ações negociadas em Bolsa, mas tinham um
status legal peculiar: alocadas na
categoria de Government Sponsored Enterprises (empresas patrocinadas pelo governo), sua
missão era apoiar o sistema de
empréstimo imobiliário.
A expectativa, ora consumada,
de que o governo americano jamais deixaria essas empresas
quebrarem permitiu-lhes atuação ambivalente ao longo desta
crise. Enquanto outras companhias similares se retiraram do
mercado hipotecário, Fannie
Mae e Freddie Mac continuaram
a fazer negócios. Nos últimos 12
meses, absorveram 70% dos novos contratos do setor.
Essa marcha contra a corrente
ajudou a mitigar e a postergar os
efeitos, potencialmente devastadores para o conjunto da economia, de uma paralisia generalizada no mercado habitacional. Por
outro lado, as companhias acabaram adotando um perigoso
ímpeto aventureiro. Criadas para apoiar negócios hipotecários
de baixo risco, as duas empresas
começaram a relaxar os seus
controles em 2006, a fim de beneficiar-se da chuva de dinheiro
que caía sobre o segmento.
Numa crise de agentes endividados e interligados, como a que
se abate sobre os EUA, há um
momento em que as pessoas e as
empresas começam a se desfazer
de patrimônio para honrar compromissos. Como todos agem ao
mesmo tempo, o resultado é que
o patrimônio -imóveis, automóveis, ações e os demais títulos
privados- se desvaloriza, e os recursos obtidos com a sua venda
não conseguem fazer frente ao
débito. Segue-se então mais uma
rodada de liquidação de ativos, e
o círculo vicioso se alimenta.
O ciclone bateu à porta de Fannie Mae e Freddie Mac. Suas
ações se desvalorizaram 90%
nos últimos 12 meses, período
em que acumularam prejuízo de
US$ 14 bilhões. Estavam insolventes, e sua bancarrota abalaria
não só o mercado hipotecário
dos EUA, mas o coração do sistema de crédito americano e, a partir daí, os pilares da arquitetura
financeira no mundo desenvolvido. Sem opções, a gestão Bush
absorveu os prejuízos -e os repassou aos contribuintes- da
farra financeira que não soube
moderar ao longo de oito anos.
É provável que a brutal intervenção do governo americano na
economia dissolva o risco de depressão no curto prazo. Não será
capaz de evitar, contudo, que um
descrédito profundo recaia sobre as regras de um jogo que prometia não socializar os prejuízos
da especulação irrefreada.
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