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CLÓVIS ROSSI
Desigualdade, lenda e fatos
SÃO PAULO - Ressurgiu na semana que acaba a lenda da queda da
desigualdade no Brasil, em conseqüência de leitura superficial de um
belo trabalho do economista Marcelo Neri (Fundação Getúlio Vargas), talvez o maior especialista
brasileiro no assunto.
Neri mediu apenas a desigualdade na renda do trabalho. Não mediu
a desigualdade entre o rendimento
do trabalho e o rendimento do capital (ou financeiro), que talvez seja
mais importante.
Explica o pesquisador: "As pesquisas não captam bem a renda dos
ricos e do capital em geral. Por isso
não acredito em estimativas de ricos no Brasil a partir de pesquisas
domiciliares" (alô, alô, IBGE, não é
o caso de fazer idêntica ressalva na
Pnad, pesquisa domiciliar?).
Neri conta um dado definitivo a
respeito: "Fizemos um experimento no Censo e vimos que quem tem
três carros ou mais no domicílio (sinal de riqueza aparente) tem quatro vezes mais chances de omitir a
resposta de renda de quem não tem
carro no domicílio, situação que
corresponde a boa parte da população brasileira".
Conclusão inescapável: "Neste
sentido, a desigualdade brasileira,
que já era muito alta, tende a ser
mais alta ainda".
Neri, de todo modo, diz que a redução da desigualdade (entre salários) "não deve ser menosprezada".
De acordo, mas é óbvio que é importante não menosprezar eventual aumento na desigualdade entre renda do trabalho e do capital.
Só pode ter aumentado. Numa
ponta, porque o governo tem remunerado o capital há anos com no mínimo 5% do PIB, via juros sobre papéis da dívida, e doado à baixa renda
(ou renda zero) nunca mais que
0,7% do PIB (Bolsa Família).
Na outra ponta, é só perguntar a
um bancário se seu salário aumentou mais que o lucro da instituição
em que trabalha. Surgirá da resposta, com nitidez, o tamanho da lenda
e o tamanho dos fatos.
crossi@uol.com.br
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