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CARLOS HEITOR CONY
Quixote e Brancaleone
RIO DE JANEIRO - Serei dos últimos a sentar meus cansados ossos para assistir a qualquer filme de Michael Moore, mas o admiro. Admiro-o não
como produtor de coisas belas e indispensáveis, mas pela sua obsessão
em fazer de seu ofício uma cruzada.
Cruzada sem cruz, de um possuído
pela sua verdade, nela depositando
todas as forças de sua até exagerada
cólera contra Bush, uma cólera talvez
paranóica, ou mesmo patológica.
Também não aprecio o atual presidente da República. Não chego a demonizá-lo, mas o considero um louco
que, de uma hora para outra, pode
botar fogo no mundo.
Michael Moore lembra, num dos
ofícios mais modernos, que é o cinema, os cavaleiros andantes que
saíam pelo mundo denunciando os
maus e tentando proteger os bons, os
fracos e inocentes. A idéia fixa de
combater o presidente de seu país,
por considerá-lo nocivo aos norte-americanos e à humanidade, faz dele
um novo Cid. Mesmo morto, monta
num cavalo e continua sua batalha.
Não é qualquer artista que faz de
sua arte um arsenal para combater
aquilo que julga ser o bom combate.
Se ele tem alguma coisa de Cid, tem
também o fogo interior de Dom Quixote e alguma coisa do ridículo de
Brancaleone.
Faz do cinema um veículo transcendental, uma lança em defesa de
valores em que acredita e um petardo
que dispara com raiva contra o Mal.
Pode-se duvidar de seus critérios, desprezar a sua avaliação da atual conjuntura política de seus país. Certo ou
errado, ele mergulhou com tudo o
que tem direito numa justa medieval,
usando os mais modernos meios de
comunicação de massa.
Nesse particular, é, ao mesmo tempo, um exemplo de ingenuidade e de
esperança, acreditando que pode tornar o mundo melhor. Se houver uma
hecatombe, um armagedon que nos
destrua a todos, Michael Moore terá
a consciência tranqüila. Dirá: "Fiz o
que pude, mas não tomaram providências!".
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