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TENDÊNCIAS/DEBATES
Democracia, Federação e República
AÉCIO NEVES
Ao iniciar suas memórias políticas ("Da Propaganda à Presidência"), Campos Salles credita à Inconfidência Mineira o primeiro projeto de
descentralização do poder no Brasil. "O
próprio federalismo, princípio básico
sobre o qual o Manifesto Republicano
de 1870 assentara os alicerces da futura
República, encontra a sua filiação histórica na Inconfidência, donde veio descrevendo a sua difícil, mas segura, trajetória, até a fazer-se inscrever na sábia
Constituição de 24 de fevereiro (de
1891)."
Mostra, em seguida, a aliança entre
mineiros e paulistas nesse propósito:
"Muito concorreu para favorecer estes
intuitos (federalistas) a revolução das
províncias de S. Paulo e Minas Gerais,
em 1842".
Campos Salles atribui à derrota militar dos revolucionários o fortalecimento da ditadura imperial e a desmoralização das instituições políticas daquele
tempo. "É então que mais se acentuam e
se desenvolvem, em contínua e rápida
progressão, a decadência dos costumes
políticos e a perversão da moral social,
cavando a ruína dos partidos."
O Manifesto Republicano se inicia
com uma constatação: "No Brasil, antes
ainda da idéia democrática, encarregou-se a natureza de estabelecer o princípio federativo". A descentralização do
poder é condição indispensável à democracia. A essência do sistema está na
proximidade entre o simples cidadão e
o poder. Tanto mais o poder se distancia de sua vontade, menos democrático
é. O primeiro ato das ditaduras é o de
concentrar tudo, de eliminar a autonomia das cidades e dos Estados.
Esperava-se que a redemocratização
do país, para a qual se tornaram decisivas a campanha das Diretas e a vitória
de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral,
significasse a imediata restauração do
pacto de 1891. Mas infelizmente, conforme a sabedoria do povo, o uso do cachimbo faz a boca torta: sobreviveram
os principais instrumentos centralizadores dos governos militares. Faltou-nos, aos constituintes de 1988, a necessária audácia para romper os grilhões
da concentração do poder na tecnocracia, que sempre teve (e continua tendo)
seu "bunker" no Banco Central -instituição criada pelo general-presidente
Castello Branco.
Em 1965, aos Estados correspondia
35,1% da receita tributária nacional; hoje, essa participação não chega a 25%.
Em contrapartida, a parte da União, que
era de 59,5% em 1960, é hoje de 72,5%,
conforme dados da Secretaria da Receita Federal. Os números variam, de uma
fonte para outra, mas não alteram o resultado: concentraram-se os recursos
tributários na União e, ao se concentrarem, concentrou-se o poder político de
Brasília e diminuiu a autonomia administrativa e política dos Estados federados. Eles ficam privados de promover o
desenvolvimento e resolver os seus problemas sociais.
O exame da história mostra que,
quanto mais concentrado for o poder
de uma nação, mais vulnerável ela se
torna e, tanto mais descentralizado,
mais blindada em sua independência. É
da lógica elementar que união signifique a adesão independente a determinado projeto, sem perda da identidade
de cada uma das partes. Sem isso, não
haveria união, mas absorção, com o
predomínio de uma vontade arbitrária
qualquer sobre o conjunto. Talvez essa
idéia explique o fato de os povos brasileiros que sempre defenderam a descentralização do poder serem os que
mais se empenharam na idéia da Independência.
O exame da história mostra que, quanto mais concentrado for o poder de uma nação, mais vulnerável ela se torna
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É sabido que a queda do Império se
deu menos pela aspiração republicana
propriamente dita e mais pela frustração dos federalistas, entre eles os dois
homens públicos mais notáveis do período, Ruy Barbosa e Joaquim Nabuco.
Quatro anos antes de proclamar-se a
República, com a confessada intenção
de salvar a Monarquia, o então deputado Joaquim Nabuco apresentou, em 14
de setembro de 1885, projeto de lei que
convertia o Império em Federação, cuja
aprovação a Coroa impediu.
Ao discursar, diante do Congresso
Constituinte, em 91, Ruy seria mais explícito: "Não me fiz republicano, senão
quando a evidência irrefragável dos
acontecimentos me convenceu de que a
monarquia se incrustara irredutivelmente na resistência à Federação. Esse
"non possumus" dos partidos monárquicos foi seu erro fatal. A mais grave
responsabilidade, a meu ver, dos que
presidiram à administração do país, no
derradeiro estádio do Império, está na
oposição obcecada, inepta, criminosa
de uns, na fraqueza imprevidente e
egoística de outros, contra as aspirações
federalistas da nação".
As palavras de Ruy são atualíssimas,
na atual crise do sistema republicano.
Os Estados federados não suportam,
por mais tempo, o garrote fiscal e o domínio político da burocracia centralizadora. A atualização do pacto federativo,
mediante amplo debate nacional, é o
único caminho para a reconstrução republicana. Como diziam os antigos,
"salus republica suprema lex est": a
principal responsabilidade de uma República é a sua sobrevivência.
Tal como Nabuco e Ruy em seu tempo, devemos alertar para a necessidade
do pacto federativo, hoje a caminho da
revogação final, mediante a continuada
concentração de receitas tributárias na
União, a maior em toda a história republicana. A perda de autonomia financeira de Estados e municípios limita a iniciativa e a ação administrativa regional e
aumenta, o que é extremamente grave,
a dependência política dos entes federados para com o poder central.
Aécio Neves, 44, economista, é o governador
do Estado de Minas Gerais. Foi deputado federal
pelo PMDB-MG (1987-91) e pelo PSDB-MG
(1991-95, 1995-99, 1999-2002).
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