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TENDÊNCIAS/DEBATES
A "medida provisória" do Judiciário
CLÁUDIO BALDINO MACIEL
A reforma do Judiciário que teve,
no fim da semana, seu texto básico
aprovado em primeiro turno no Senado
contém um dispositivo que atinge duramente o Poder Legislativo, já fragilizado
pelo uso indiscriminado de medidas
provisórias pelo Executivo. Trata-se da
chamada súmula vinculante, apontada
como solução para o bom funcionamento da Justiça. De acordo com o texto aprovado, no momento em que o Supremo Tribunal Federal criar uma súmula, ou seja, o extrato de uma decisão
reiterada sobre determinada matéria,
todos os juízes do país, e também a administração pública, terão que acatá-la
e aplicá-la automaticamente.
Os parlamentares, que já se acostumaram a ceder espaço para o Executivo legislar por meio de medidas provisórias,
agora parecem se conformar com o fato
de ministros do Supremo editarem súmulas que são normas com força,
abrangência e eficácia de leis. Na verdade, mais eficazes: são normas abstratas,
gerais e universais, como leis, mas com
efeitos retroativos que as próprias leis
não têm. Mais do que medidas provisórias, porque nem sequer precisam da
aprovação posterior do Legislativo.
A súmula vinculante produzirá juízes
carimbadores de soluções prontas, vinculados a uma nova jurisprudência
"prêt-à-porter" do Supremo, sacrificando assim importantes princípios constitucionais e legais, dentre eles o da ampla
defesa, do contraditório e do juiz natural. E não se diga que a aparente finalidade do dispositivo -desafogar o STF
de casos similares- justifica a dramática perda da independência jurídica de
todos os juízes brasileiros, pois existem
várias outras maneiras, mais simples e
eficazes, de evitar o inchaço de processos naquele tribunal. Basta alterar o sistema recursal, com coragem para enfrentar os interesses corporativistas que
se opõem a isso, neste caso, sem o efeito
paralisante da dimensão criativa da jurisprudência dos outros tribunais do
país.
O Legislativo, porque não compreendeu a real extensão e profundidade dos
efeitos da súmula vinculante, dará um
tiro no próprio pé: renunciará a importante parcela da prerrogativa institucional de legislar. A proposta é sem dúvida
temerária. O Judiciário tem a vocação
para decidir caso a caso, concretamente,
nos limites das partes em conflito. O
STF, em face da matéria que julga, já
alargou suficientemente tais pressupostos e o alcance de suas decisões. No entanto ir além disso significa desconhecer que só a lei -e não a decisão judicial- deve ter caráter genérico, abstrato e universal.
A emenda, portanto, consagra no Supremo Tribunal Federal -de composição sujeita à indicação discricionária do
Presidente da República e a mera aprovação do Senado Federal- a possibilidade de definir o alcance, em abstrato,
das normas editadas pelo Congresso
Nacional, com efeitos que não obrigarão somente as partes, mas a sociedade
toda. E mais: com força retroativa de
que as próprias leis não dispõem. É poder demais para o Supremo. O que se dá
a um, de outro se retira: fica o STF muito
mais potente e o Legislativo bem mais
esvaziado no alcance de sua atividade
fundamental.
O Legislativo, porque não compreendeu a real extensão dos efeitos da súmula vinculante, dará um tiro no próprio pé
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Para piorar a situação, maiores serão a
abrangência e a eficácia das súmulas
vinculantes -ou da parcela de poder
de que se demite o Legislativo, o que dá
no mesmo-, quanto mais "abertos"
forem os conteúdos das normas legais,
o que permite amplíssimas possibilidades de interpretação, fenômeno crescente e uma das causas do visível processo de judicialização da política nacional.
O Legislativo, nos temas mais relevantes, fará normas que só terão seu alcance
definitivo fixado de acordo com a
abrangência que lhes dispuser o Supremo em caráter abstrato e universal, dispondo esse tribunal, nos limites incertos da ampla possibilidade de interpretação, sobre o que o Legislativo "quis dizer", e transformando tal disposição em
norma abstrata e universal definitiva.
Diferentemente das medidas provisórias, tais "normas" do STF nascerão definitivas, sem depender de apreciação
parlamentar posterior.
O assunto atinge o próprio sistema de
divisão de poderes. Ao entregar ao Judiciário o poder de normatizar abstratamente a vida social através de súmulas
vinculantes, com eficácia maior do que
a das leis, comete o Legislativo o grave
equívoco político de, compartilhando
prerrogativas hoje exclusivamente suas,
uma vez mais abrir mão de significativa
parcela de seu poder. Antes para o Executivo, agora para o Supremo.
A súmula vinculante será mais do que
a medida provisória do Judiciário. E o
Parlamento restará, por decisão própria, reduzido a uma expressão incompatível com o modelo republicano de
tripartição de Poderes.
Cláudio Baldino Maciel, 48, desembargador do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, é o presidente da AMB (Associação dos Magistrados
Brasileiros).
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