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TRAVESSIA COM FUNDO
Não durou 24 horas o alívio
trazido pelo acordo entre o
Brasil e o FMI aos mercados de câmbio e de títulos da dívida brasileira.
Para alguns, como o economista
ultraconservador Allan Meltzer, ex-conselheiro de Bush, o pacote de
US$ 30 bilhões não passa de um expediente para facilitar a vida de bancos norte-americanos com fortes interesses no Brasil e que teriam feito
um poderoso lobby em favor da rápida ação de socorro ao governo FHC.
Para outros, como o economista
democrata Paul Krugman, crítico de
Bush, o pacote revela uma importante mudança na Casa Branca em direção ao pragmatismo em sua política
financeira internacional.
Essas visões não são excludentes.
Mas é o destino da política econômica brasileira após o pacote do FMI
que se tornou a questão central.
Os recursos prometidos pelo FMI
são como uma arma nuclear. Eles valem mais pelo potencial de dissuasão. Se houver necessidade de usá-los, seu efeito sobre a confiança pode
tornar-se ainda mais duvidoso.
Especialmente se não houver uma
recuperação, ainda que parcial, dos
fluxos privados de crédito a empresas e bancos, o cenário de rápida
exaustão do poder dissuasório da
aliança com o FMI virá com rapidez.
Mas ainda não houve tempo para
testar os novos limites da política
econômica brasileira.
Entre as principais áreas em que alguma margem de manobra foi conquistada estão a disponibilidade de
reservas, o relaxamento da meta inflacionária e a suspensão do regime
que explicitava, de antemão, o volume de vendas diárias de dólares ao
mercado. Adicionalmente, os mecanismos de crédito estatal a exportações passam por um rearranjo estratégico, com foco no BNDES.
É relevante notar, aliás, que, nesse
jogo com regras alteradas, pode interessar ao BC a manutenção do câmbio em níveis mais altos (ainda mais
quando já não está preso a uma meta
inflacionária tão draconiana).
Uma repentina e exagerada valorização do real, nesse momento, seria
um estímulo adicional à compra de
dólares pelos especuladores.
É crucial notar que o objetivo possível da política cambial numa situação de crise não é a defesa de uma taxa fixa ou de uma fronteira supostamente confortável (por exemplo, um
dólar a R$ 3).
O mais importante é reduzir a volatilidade e, secundariamente, colocar
os especuladores numa posição de
incerteza quanto ao momento, à modalidade e à intensidade das intervenções do governo.
Ainda que se interprete o apoio do
FMI como uma bóia de salvação para
o final do governo FHC e mesmo
considerando que, apesar de tudo, a
travessia será dificílima, convém não
subestimar a força do BC diante do
mercado após esse acordo fechado
com o Fundo e, também, com o governo dos Estados Unidos.
As ações dos EUA e do FMI certamente se pautam prioritariamente
pelos interesses norte-americanos,
como sublinhou o conservador Meltzer. Mas isso não significa a imobilização imediata da política econômica brasileira, cujo fôlego ainda limitado pode ao menos render uma transição menos turbulenta até a posse do novo presidente em 2003.
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