São Paulo, domingo, 11 de agosto de 2002

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TRAVESSIA COM FUNDO

Não durou 24 horas o alívio trazido pelo acordo entre o Brasil e o FMI aos mercados de câmbio e de títulos da dívida brasileira.
Para alguns, como o economista ultraconservador Allan Meltzer, ex-conselheiro de Bush, o pacote de US$ 30 bilhões não passa de um expediente para facilitar a vida de bancos norte-americanos com fortes interesses no Brasil e que teriam feito um poderoso lobby em favor da rápida ação de socorro ao governo FHC.
Para outros, como o economista democrata Paul Krugman, crítico de Bush, o pacote revela uma importante mudança na Casa Branca em direção ao pragmatismo em sua política financeira internacional.
Essas visões não são excludentes. Mas é o destino da política econômica brasileira após o pacote do FMI que se tornou a questão central.
Os recursos prometidos pelo FMI são como uma arma nuclear. Eles valem mais pelo potencial de dissuasão. Se houver necessidade de usá-los, seu efeito sobre a confiança pode tornar-se ainda mais duvidoso.
Especialmente se não houver uma recuperação, ainda que parcial, dos fluxos privados de crédito a empresas e bancos, o cenário de rápida exaustão do poder dissuasório da aliança com o FMI virá com rapidez.
Mas ainda não houve tempo para testar os novos limites da política econômica brasileira.
Entre as principais áreas em que alguma margem de manobra foi conquistada estão a disponibilidade de reservas, o relaxamento da meta inflacionária e a suspensão do regime que explicitava, de antemão, o volume de vendas diárias de dólares ao mercado. Adicionalmente, os mecanismos de crédito estatal a exportações passam por um rearranjo estratégico, com foco no BNDES.
É relevante notar, aliás, que, nesse jogo com regras alteradas, pode interessar ao BC a manutenção do câmbio em níveis mais altos (ainda mais quando já não está preso a uma meta inflacionária tão draconiana).
Uma repentina e exagerada valorização do real, nesse momento, seria um estímulo adicional à compra de dólares pelos especuladores.
É crucial notar que o objetivo possível da política cambial numa situação de crise não é a defesa de uma taxa fixa ou de uma fronteira supostamente confortável (por exemplo, um dólar a R$ 3).
O mais importante é reduzir a volatilidade e, secundariamente, colocar os especuladores numa posição de incerteza quanto ao momento, à modalidade e à intensidade das intervenções do governo.
Ainda que se interprete o apoio do FMI como uma bóia de salvação para o final do governo FHC e mesmo considerando que, apesar de tudo, a travessia será dificílima, convém não subestimar a força do BC diante do mercado após esse acordo fechado com o Fundo e, também, com o governo dos Estados Unidos.
As ações dos EUA e do FMI certamente se pautam prioritariamente pelos interesses norte-americanos, como sublinhou o conservador Meltzer. Mas isso não significa a imobilização imediata da política econômica brasileira, cujo fôlego ainda limitado pode ao menos render uma transição menos turbulenta até a posse do novo presidente em 2003.



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