São Paulo, domingo, 11 de agosto de 2002

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CAMINHO ERRADO

Há uma fortíssima e justa demanda por soluções na área da segurança pública no Brasil. As propostas que surgem, contudo, caminham quase todas no sentido de prender mais e endurecer as penas previstas na legislação. É um caminho semelhante ao já trilhado pelos Estados Unidos nas últimas décadas. Vale a pena, portanto, ver aonde eles chegaram. A revista "The Economist" traz em sua mais recente edição um balanço do problema.
Os EUA são, de longe, a nação que mais encarcera. Entre 1925 e 1973, havia uma proporção mais ou menos constante de 110 presos para cada 100 mil habitantes. Em 2000, essa taxa havia mais do que quadruplicado, saltando para 478. Se se considerarem também os presos em distritos, o número chega a 700. A título de comparação, Canadá tem 102, Inglaterra e Gales, 132, França, 85.
Há atualmente 2 milhões de detentos nos EUA. Existem ainda cerca de 4,5 milhões que estão em liberdade condicional ou tiveram suas sentenças suspensas. A estes acrescenta-se um contingente de 3 milhões de ex-detentos. Computando-se também os norte-americanos que foram considerados culpados de algum crime, mas não foram presos, chega-se a um resultado impressionante: 7% da população adulta (12% dos homens) teve problemas com a lei.
É verdade que ocorrem mais crimes nos EUA do que em outros países industrializados, o que explica um pouco a taxa de encarceramento. A outra parte, contudo, se deve ao fato de que os EUA prendem mais do que países europeus, por exemplo.
O problema fica evidente na forma como se aborda a questão das drogas. Enquanto nações européias vêm adotando atitudes mais liberais para com usuários, os EUA quase decuplicaram a proporção de presos por delitos relacionados a drogas entre 1980 e 1996. Nesse período, o número saltou de 15 detidos para 100 mil habitantes para 148.
E, embora as prisões norte-americanas sejam incomensuravelmente melhores do que as brasileiras, a situação do preso é mais ou menos a mesma. Quando sai da cadeia, ele não consegue emprego, o que tenderá a levá-lo a reincidir. Como aqui, é quase nula a preocupação das autoridades com a reinserção do preso. E lá, como aqui, há viés racial e de classe na população carcerária.
Com sua política "dura" em relação ao crime em geral e às drogas em particular, os EUA não só não conseguiram resolver nenhum desses problemas -o que é natural, pois nenhum país conseguiu-, mas também acabaram criando uma nova dificuldade que é a de lidar com uma população carcerária gigantesca.
A menos que o Brasil queira repetir os mesmos erros cometidos pelos Estados Unidos, precisa pensar melhor antes de aplaudir demagógicas propostas de endurecer penas e prender mais. O encarceramento é fundamental para o Direito penal. Mas precisa ser reservado aos casos em que o criminoso representa ameaça física à sociedade.



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