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MARINA SILVA
Palpite infeliz
O MINISTRO de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, fez afirmações no fórum de governadores da Amazônia, sexta-feira, em Cuiabá, que podem ser vistas como provocação
para três grandes interlocutores: a
sociedade civil, o Congresso e o
próprio governo.
Para o ministro, o regime legal de
proteção do meio ambiente "não
foi construído para valer", mas como "retórica para aplacar não a nós
mesmos, mas sobretudo os estrangeiros". Palavras que podem até ser
tomadas como falta de respeito às
pessoas que, nas organizações da
sociedade civil, nos governos, nos
legislativos, na academia, no setor
privado, no meio jurídico e nos movimentos sociais trabalharam incansavelmente para levar o país a
um patamar conceitual e jurídico
compatível com a responsabilidade de ter um patrimônio ambiental
incomparável.
Talvez tenha sido só falta de conhecimento sobre os processos
que levaram ao atual arcabouço legal, que tem na Constituição de 88
um ponto de inflexão. Ela deu parâmetros claramente impressos
nos marcos legais e nas políticas
públicas desde então.
Na Amazônia, nas últimas décadas, o esforço conjunto que uniu
desde comunidades tradicionais
até pesquisadores de ponta e setores mais avançados do empresariado ostenta resultados que, longe de
apontarem impropriedades na legislação ambiental, se valeram dela
para criar alternativas mais justas e
eficientes de vida, com respeito ao
patrimônio natural.
Fazer tábula rasa disso tudo é reducionista e primário. Pergunto: o
problema seria o suposto excesso
de leis ambientais ou a resistência
do velho vício patrimonialista que
mistura o público com o privado e
se imagina acima do interesse
coletivo?
Poucos exemplos falam tão magistralmente do interesse coletivo
quanto a proteção ambiental, pois
cuida até mesmo de gerações que
nem sequer nasceram. Não é tarefa
fácil diante do imediatismo dos
que tradicionalmente se opõem ao
controle de suas atividades e não
aceitam decisões nas quais o uso
equilibrado dos recursos naturais e
a participação da sociedade são tão
importantes quanto o lucro ou metas de crescimento.
Se o ministro expressa alguma
nova visão do governo federal sobre política ambiental, trata-se de
enorme contradição e retrocesso.
Vai na contramão das conquistas
históricas e de tudo o que foi feito
nos últimos cinco anos e meio para
reduzir os déficits da regulação
ambiental e fazer a lei alcançar
aqueles que se sentiam inatingíveis. É preocupante ver essa abordagem feita pela maior autoridade
de um dos principais programas
para a Amazônia, o Plano Amazônia Sustentável. É como se fosse
uma senha para desconstituí-lo.
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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