São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 2008 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Da incerteza à necessidade de agir
JOSÉ ELI DA VEIGA
NÃO PODERIA ser maior a legitimidade política da previsão sobre o aquecimento global: persistirá enquanto não forem drasticamente reduzidas as emissões de gases-estufa causadas por atividades humanas. Esperneiam isolados os pesquisadores chamados de céticos, que prognosticam resfriamento ou que atribuem a mudança climática a causas naturais, essencialmente radiações cósmicas. Quer isso dizer que já não exista dúvida ou que tal controvérsia tenha deixado de ser propriamente científica? Não. Algum grau de incerteza continua a ser prudentemente reconhecido em todos os documentos da organização montada pela ONU para consolidar os resultados das pesquisas sobre a mudança climática, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, na sigla em inglês). Os leitores desta seção sabem muito bem que a polêmica continua solta. Os céticos locais não têm o menor prestígio na comunidade científica, mas divulgam trabalhos de pesquisadores estrangeiros de grande renome que espinafram o conteúdo dos célebres relatórios do IPCC. No entanto, são pouquíssimas as pessoas que podem realmente avaliar os argumentos usados pelos dois lados, pois a capacidade de decifrar os complexos modelos da ciência do clima depende de formação altamente especializada. Leigos não têm como formar suas respectivas convicções sobre essa questão apoiando-se em análises objetivas e frias. Por isso, o que mais tem ajudado a deslegitimar as teses dos céticos é algo bem mais simples: raciocinar por absurdo. Procedimento fartamente usado pela multidão de políticos que agora acreditam na causa antrópica do aquecimento global. Admitindo a hipótese de que a razão estivesse com os céticos, não haveria necessidade de conter as emissões de gases-estufa, o que só atrapalharia e retardaria a indispensável transição para uma economia cada vez menos dependente de energias de origem fóssil. Ao contrário, o mundo continuaria inteiramente livre para esbanjar recursos crescentemente escassos, sufocando simultaneamente as incipientes inovações no âmbito das energias ditas renováveis e as imprescindíveis pesquisas de base sobre novas fontes. Quando se vislumbra tal cenário, o que assusta não são apenas os riscos de profundas crises econômicas resultantes da imprudência de não se ter cuidado de viabilizar a superação da economia ancorada no tripé petróleo-carvão-gás. É inevitável que também se considerem suas conseqüências para a segurança global, pois tais recursos têm uma distribuição geográfica que não atende aos interesses da maioria das potências, principalmente de algumas emergentes. Aliás, a decisão de criar o IPCC, há exatos 20 anos, saiu de uma conferência mundial realizada em Toronto cujo título enfatizava "as implicações das mudanças atmosféricas para a segurança global". Não menos importante é lembrar que o surgimento de novos negócios e novos mercados será infinitamente mais alavancado por instituições que regulem e encareçam as emissões de gases-estufa e pelas conseqüentes restrições à utilização de fósseis. O que explica o apoio das mais modernas elites empresariais às políticas de mitigação, inicialmente hesitante, e agora muito firme. Porém, atenção: nada do que foi dito acima invalida a idéia de que o combate ao aquecimento global tenha caráter eminentemente ético. Afinal, o que está em jogo é o perigo de que decisões imprudentes contribuam para acelerar ainda mais o processo de extinção da espécie humana. Serve, contudo, para entender as reais motivações das difíceis negociações internacionais que geraram o Protocolo de Kyoto e que certamente logo farão emergir um regime que, com certeza, não poderá ser tão autista. JOSÉ ELI DA VEIGA , 60, é professor titular de economia da USP e está na Universidade de Cambridge (Inglaterra) como pesquisador associado do Capability & Sustainability Centre. É organizador do livro "Aquecimento Global: Frias Contendas Científicas". www.zeeli.pro.br Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Ney Figueiredo: O horário eleitoral decide? Índice |
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