São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O horário eleitoral decide?

NEY FIGUEIREDO


Quando a disputa está acirrada, é comum ouvir que "a eleição só começa quando o horário eleitoral gratuito for ao ar". Isso não é verdade

EM TODAS as campanhas majoritárias, existe uma grande expectativa sobre o real poder do chamado horário eleitoral gratuito.
Quando a disputa está acirrada, é comum ouvir que "a verdadeira eleição só começa quando o horário eleitoral gratuito for ao ar". Quem pensa assim vai se dar mal, pois sua real influência é cada vez menor, embora ele seja o maior devorador de gastos, com a produção dos programas de rádio e televisão.
Levantamentos feitos pela empresa de pesquisas de opinião Vox Populi, constantes do livro "Marketing Político em Tempos Modernos", do qual participo com um capítulo, recentemente lançado pela Fundação Konrad Adenauer, demonstra com números inquestionáveis a pouca importância dessa propaganda obrigatória, nascida há mais de 40 anos no período militar, por meio da lei 4.737/65.
Examinando as eleições presidenciais de 2002 e 2006, esse estudo mostra um quadro impressionante: mais da metade dos entrevistados afirmam "não gostar" ou "detestar" o horário eleitoral gratuito. Um terço o tolera. Somente cerca de 15% afirmam gostar dele. Isso quer dizer que, quando ele começa, temos 85% dos eleitores aborrecidos com o espetáculo e apenas 15% alegres.
Diferente é a avaliação dos programas partidários, levados ao ar bem antes das eleições, e os chamados "comerciais" de curta duração, inseridos em horários estratégicos, pegando o eleitor desprevenido e propenso a aceitar uma mensagem.
Como regra, durante os 45 dias da propaganda gratuita, as disputas não têm se modificado.
Foi por aí que José Serra (PSDB) chegou a subir dez pontos percentuais, graças ao programa do PSDB, em março de 2002, na disputa pela Presidência da República [o petista Lula acabou eleito]. Durante o horário eleitoral gratuito, sua posição permaneceu inalterada.
É necessário reconhecer, contudo, que essa regra teve uma exceção, no ano de 1989, devido às especiais circunstâncias que cercaram aquela eleição, a primeira após a redemocratização do Brasil.
Existem inúmeros fatores de influência atuando numa sociedade globalizada. Os evangélicos, por exemplo, se inserem de tal forma no político-institucional que os partidos e os candidatos não podem deixar de levá-los em consideração.
As ONGs, por outro lado, são o principal ator da nossa sociedade civil.
Afirmam sua legitimidade na base da força moral de seus argumentos, e não por sua representatividade. Promovem lutas por causas sociais sem ter o mandato das pessoas que dizem representar. É impossível ignorar as organizações não-governamentais.
E a internet, o maior comício interativo permanente da história da humanidade? Graças principalmente a ela, Barack Obama virou o jogo na disputa do Partido Democrata pela escolha do candidato à Presidência dos Estados Unidos. São milhões de pessoas se comunicando a cada minuto.
É tecnicamente impossível amordaçar a internet.
Inúmeros fenômenos sociais nascem por esse caminho. Como a Parada Gay conseguiu colocar mais de 3 milhões de pessoas na avenida Paulista, em São Paulo? Nem a igreja, nem os movimentos operários, nem a nossa seleção de futebol conseguiram tal façanha.
Em 1990, Paulo Maluf (PP) liderou as pesquisas pelo governo de São Paulo por larga margem de intenção de votos durante quase toda a disputa.
Quando começou o horário eleitoral, cujos programas eram dirigidos pelo talentosíssimo Duda Mendonça, estava na frente com aproximadamente 46% em todas as pesquisas confiáveis.
Era seguido de longe por Mario Covas (PSDB), que oscilava em torno de 25%. Fechava a raia, bem distante, Luiz Antonio Fleury (PMDB). Maluf surfava no seu excepcional programa nadando de braçada.
Fora dos programas, contudo, aconteceram três fatos que enterraram sua candidatura. Primeiro, a decisão absurda de levar ao Palácio do Planalto o seu plano de governo para ser abençoado pelo então presidente Collor. Depois aconteceu a recusa de Maluf, no segundo turno, a comparecer ao debate na TV, o que soou como covardia. Por fim, houve a idéia "brilhante" de afirmar no horário eleitoral que Maluf seria o continuador das obras de Quércia, então um dos três governadores mais bem avaliados do Brasil. É evidente que, se alguém iria continuar as obras de Quércia, seria Fleury, seu candidato.
De que adiantou ter o melhor programa? Tais erros foram fatais, e o programa nada teve a ver com o resultado adverso das urnas.


NEY FIGUEIREDO, 70, consultor político, é membro do Centro de Pesquisas de Opinião Pública da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e diretor do Cepac - Pesquisa e Comunicação. É autor de "Diálogos com o Poder", entre outras obras.


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