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TENDÊNCIAS/DEBATES
A cúpula de Washington
RUBENS BARBOSA
No último dia 20 de junho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
encontrou-se, pela terceira vez em seis
meses, com o presidente George W.
Bush. Por seu simbolismo e pelos resultados alcançados, eu não hesitaria em
qualificar o encontro de Washington
como um marco na história das relações entre Brasil e EUA.
Encontro histórico, em primeiro lugar, pelo ineditismo do formato -uma
reunião em que os presidentes se fizeram acompanhar de boa parte dos respectivos ministérios- e, sobretudo, pela própria iniciativa do presidente George W. Bush de propor que assim fosse.
Juntos, discutiram amplo programa para os próximos anos do diálogo bilateral. Trata-se de avanço significativo no
relacionamento, que passará a contar
com foros e instrumentos de coordenação que os EUA, até agora, só mantinham com União Européia, Canadá e
México; e o Brasil, com seus vizinhos
sul-americanos.
Foi histórico também por indicar que
a política externa norte-americana parece estar iniciando processo de diferenciação e de reconhecimento da importância do Brasil. O encontro de cúpula poderá representar oportunidade
política inédita para que os dois governos trabalhem juntos a fim de operar,
no relacionamento bilateral, mudança
quantitativa e qualitativa que, por ora,
ainda pertence ao domínio das transformações possíveis, mas não realizadas. Nesse sentido, no comunicado conjunto, nos documentos assinados e nas
notas informativas distribuídas pela Casa Branca e pelo Departamento de Estado, começam a se delinear novas áreas
de convergência e de interesse setorial
prioritário, uma nova moldura institucional e uma agenda positiva.
Ficou decidido que Brasil e EUA manterão diálogo regular e frequente sobre
temas de interesse mútuo. Os dois governos acordaram a criação de arcabouço institucional para a realização de
consultas de alto nível para a formação
de grupos de trabalho conjunto, que
tratarão do amplo leque de áreas nas
quais se decidiu formalizar a cooperação. Aos já existentes mecanismos bilaterais de consultas de alto nível, que envolviam, pelo lado brasileiro, o Itamaraty e os ministérios da Defesa e da Educação e, pelo lado norte-americano, os
departamentos de Estado, Defesa e
Educação e o USTR, somaram-se outros, criados no dia 20 de junho, nas
áreas de ciência e tecnologia, energia,
crescimento econômico e agricultura.
Essa nova fase no relacionamento bilateral surge com o pleno reconhecimento das diferenças de posições e de
percepções, de divergências na área comercial, do respeito mútuo e da defesa
do interesse nacional.
A administração norte-americana
mostra-se disposta a intensificar o diálogo e a cooperação com o governo brasileiro nas áreas indicadas como prioritárias por ambos os presidentes -ciência e tecnologia, energia, educação, saúde, crescimento econômico e agricultura- e a fazê-lo também em outros terrenos que, juntos, venhamos a identificar. Cabe ressaltar, em especial, pelas repercussões já havidas ou que poderão
vir a ter, os seguintes aspectos examinados durante o encontro de cúpula:
Energia: pelas perspectivas de cooperação que se abrem para o Brasil, surge
como a mais promissora das áreas de
convergência e de conformação de uma
agenda positiva.
Essa nova fase no relacionamento bilateral surge com o pleno reconhecimento das diferenças de posições
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Reforma do sistema da ONU: pela primeira vez, o assunto, inclusive no que se
refere à eventual candidatura do Brasil a
membro permanente do Conselho de
Segurança, foi tratado de maneira direta
com o presidente dos EUA. Bush concordou com a necessidade de o sistema
das Nações Unidas ser repensado, embora não se tenha manifestado especificamente quanto à reforma do conselho.
Fundos de investimento em infra-estrutura: o presidente Lula pediu apoio
do governo norte-americano no sentido
de recomendar às instituições financeiras que constituam fundos de investimentos para projetos de infra-estrutura
na América do Sul.
Alca: o tema não foi objeto de negociações específicas. Ao se referir às responsabilidades dos dois governos como
co-presidentes do processo negociador,
o comunicado conjunto menciona janeiro de 2005 como prazo para o final
dos entendimentos, conforme consta
de todos os documentos acordados pelos 34 países desde 1994. Tal cronograma, no entanto, estará condicionado a
que as negociações sejam realmente exitosas, o que, para o Brasil, significa um
resultado equilibrado e mutuamente
vantajoso com o qual todos os países
possam se sentir vencedores.
Como comentário final, parece ser de
nosso interesse começar, desde já, a trabalhar nos desdobramentos do encontro presidencial, nos vários caminhos
apontados e consolidados na ocasião. O
lado norte-americano tem indicado ao
governo brasileiro suas prioridades e
iniciativas concretas de cooperação bilateral para o médio e longo prazos, como, por exemplo, no tocante aos programas para a redução da pobreza no
Brasil e, especificamente, ao Fome Zero.
De nosso lado, é necessário identificar
setores e áreas dentro das prioridades
agora estabelecidas para que se possa
completar programa abrangente e objetivo, com base no qual iniciaremos a fase de realização dos compromissos assumidos pelos presidentes Luiz Inácio
Lula da Silva e George W. Bush.
Rubens Antonio Barbosa, 65, diplomata, é o
embaixador do Brasil em Washington. Foi coordenador nacional do Mercosul (1991-93) e embaixador no Reino Unido.
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