|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VINICIUS MOTA
Prenda, arrebente, proíba
OS VALORES liberais, na vida
civil e na economia, não são
populares no Brasil. Pesquisas sobre as convicções da sociedade costumam revelar apreço por
facetas do conservadorismo: leis
duras, repressão, estatismo. Construção histórica formada no embate contra um Estado absolutista, o
indivíduo -conceito que reserva,
para cada pessoa, uma esfera de autonomia, responsabilidade e capacidade- faz menos sucesso aqui.
Não surpreende, portanto, o
apoio massacrante que têm recebido as prisões de um banqueiro, um
especulador e um ex-prefeito. A
detenção preventiva de um casal
acusado de assassinar uma criança,
em São Paulo, tornou-se um espetáculo de Coliseu romano.
São com freqüência recebidos a
pedradas retóricas os que afirmam
algo razoável: em todos esses casos,
os acusados não representam
ameaça física para a sociedade e
sua capacidade de prejudicar a coleta de provas é nula ou independe
de estarem soltos. A prisão antes de
uma sentença deveria ser exceção,
e não regra como está se tornando.
Defender o devido processo legal
nesses casos é reforçar garantias de
todos contra arbitrariedades de
agentes públicos. Na ânsia de vingar "500 anos de impunidade",
campeia a desinformação. Confundem-se prisão temporária, algemas
e execração com punição; habeas
corpus com absolvição. Perde-se o
foco, que é a lentidão absurda do
Judiciário, tanto mais vagaroso
quanto mais rico é o acusado.
O pior é que se acumulam atitudes de truculência, paternalismo e
tutela do Estado e seus representantes, com respaldo popular. Incapaz de aplicar uma lei de trânsito
já rígida em relação ao consumo de
álcool, o governo chancelou a "tolerância zero" vinda do Congresso.
Condutores são coagidos a produzir provas contra si e ameaçados de
cadeia com dois copos de chope.
Há gente no governo e no Legislativo disposta a restringir, e até
proibir, propaganda de alimentos
com teor de gordura, açúcar e sal
acima de níveis considerados saudáveis, como se o público fosse incapaz de decidir sobre a sua dieta.
A cúpula da Justiça também entrou no jogo, investida pelo espírito
da "moralização" e aplaudida. Instituiu por sua conta um tribunal de
bons costumes políticos para julgar a "infidelidade partidária". Ajudou a produzir um monstrengo
que inviabiliza a livre expressão na
internet em época de eleição.
Tanto ativismo judiciário inspira
outros estragos na instância inferior, com juízes condenando veículos da imprensa que entrevistam
candidatos. Tiras e procuradores
tentam intimidar, inclusive com
ameaça de prisão, jornalistas que
cumprem seu papel de informar.
As autoridades apertam o torniquete, a platéia vibra, mas não se vê
a advertência de que alimentar o
Leviatã faz mal à democracia.
vinimota@folhasp.com.br
VINICIUS MOTA 0é editor de Opinião .
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: O banqueiro tranqüilo Próximo Texto: Frases
Índice
|