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CARLOS HEITOR CONY
Tudo tem seu tempo
RIO DE JANEIRO - Como diria Machado de Assis, "no meu tempo já havia velhos, mas poucos". Os Evangelhos usaram outra forma. Mais antigos do que Machado, eles não falam
"no meu tempo", mas "naquele tempo". Naquele tempo, disse Jesus, naquele tempo um homem vinha de Samaria. Naquele tempo, o rei Herodes
mandou degolar as criancinhas.
Não tendo a autoridade de Machado de Assis nem a antiguidade dos
evangelhos, volta e meia também falo "no meu tempo", querendo lembrar uma patifaria cometida nos
bambuais da infância. A leprosa com
um lenço na boca que pedia esmolas,
os bondes da Light, as barcas da Cantareira, os realejos com o papagaio
que tirava sorte, as escarradeiras nas
salas de visita -por que havia visitas, e visitas que escarravam na casa
da gente?
Tudo isso, afinal, é poeira moída
pelo tempo, o mesmo tempo de Machado, dos Evangelhos e pelo meu
próprio tempo. Quando o ex-presidente de Portugal, general Craveiro
Lopes, veio ao Brasil e a convite de JK
foi visitar Brasília, ainda em obras,
criou um caso diplomático por causa
do tempo dele.
Hospedado no Palácio, o general
recolheu-se a seus aposentos, mas logo chamou JK pelo telefone. Não poderia dormir sem um penico embaixo da cama. JK convocou o coronel
Affonso Heliodoro, que lhe quebrava
todos os galhos. Precisava de um penico, e o penico mais próximo estava
em Anápolis.
O que fazer?
O general era realmente do tempo
dele. Declarou que sem aquele utensílio tradicional não poderia dormir.
Esperaria pelas providências tomadas pelo governo brasileiro naquela
emergência.
O coronal Affonso descolou um jatinho, voou até Anápolis, conseguiu
um penico, de louça nobre, com florões azulados. Tudo terminou bem.
Tão bem que o general concedeu ao
coronel Affonso a comenda da Ordem de Cristo.
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