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RUY CASTRO
Urnas funerárias
RIO DE JANEIRO - A cena se repete milhares de vezes por minuto:
gente na rua fazendo sinal para o táxi que passa indiferente aos frenéticos acenos. Claro -porque está
ocupado. Dentro do carro, o motorista pisca os dedinhos para fazer o
sinal de "lotado", mas, como os pára-brisas, laterais e traseiras desse
táxi estão solidamente vedados por
insulfilme, também o sinal é invisível para quem está de fora. Só resta
ao cidadão ficar com o dedo estendido em vão, sentindo-se o último
dos rejeitados.
Outro dia, um conhecido meu sofreu um seqüestro-relâmpago em
São Paulo. Seu carro só não tinha
insulfilme dentro do porta-luvas
-era a sua maneira de sentir-se
"protegido" não sei do quê. Os seqüestradores rodaram com ele durante horas pelas ruas mais movimentadas, rindo dos policiais com
quem cruzavam pelo caminho. Isolado do mundo pelo filme preto,
meu amigo não tinha quem o salvasse. A brincadeira custou-lhe alguns milhares de reais.
O insulfilme tornou-se ainda o
grande protagonista das blitze promovidas pelas nossas polícias. A
partir de certo grau de invisibilidade, é para o carro ser parado na certa -basta que os homens estejam
de olho num exemplar daquela
marca ou cor. Para não falar no risco de você estar rodando à noite
com um carro desses, todo envelopado, com o som e o ar condicionado ligados -ou seja, incapaz de perceber os sinais que a polícia está fazendo atrás de você, mandando-o
parar. Como você acha que eles interpretarão a sua atitude?
No Rio, há dez dias, a polícia suspeitou de um carro parado, de que
não se via o interior, e não pensou
duas vezes: mandou bala. Dentro
dele estava uma criança.
Até há pouco, eu não entendia
por que, vistos de fora, carros vedados com insulfilme me lembravam
urnas funerárias. Agora entendo.
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