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MARINA SILVA
Cereja sem bolo
AS RODADAS internacionais
de negociações sobre aquecimento global, salvo exceções, viraram rotina de fracassos
ou quase-fracassos que, longe de
causar incômodo, parecem estratégia calculada de protelação de
responsabilidades. O último capítulo foi a reunião do G8 (Japão, Estados Unidos, Alemanha, Reino
Unido, França, Canadá, Rússia e
Itália). A maioria das análises sobre
o evento repete o mantra: aquém
das expectativas, pífio, vago.
Quando os países mais ricos (G8)
se reúnem com os menos pobres
(China, Índia, Brasil, México e
África do Sul, o G5) para tratar de
economia ou segurança, sempre há
expectativa de ocorrer algo substancioso. Quando são temas sociais
ou ambientais, fica a sensação de
que a montanha deu à luz um calango. Por que problemas tão graves não suscitam urgência verdadeira e resultados palpáveis, como
suscitaria uma guerra? Se os senhores do mundo ajustassem as
lentes, veriam que também nesse
caso há uma guerra e as vítimas são
todas as formas de vida no planeta.
Suspeito que suas lentes não
funcionem porque talvez considerem degradação ambiental e miséria fenômenos normais, e as negociações ambientais, coisa de segunda linha. Como se fossem a cereja
de um bolo oco, ou uma cereja sem
bolo.
Às portas da eleição americana, o
G8 fala em reduzir 50% das emissões de gases do efeito estufa até
2050. Metas genéricas dizem muito pouco. Se fossem para valer, o
grupo teria assumido metas intermediárias, como propõe o IPCC. A
data 2050 é mero fetiche; daria no
mesmo se fosse 2040 ou 2060,
2070... O que falta é recheio.
Na última reunião de Bali, o Brasil propôs que compromissos internos sejam mensuráveis, verificáveis, reportáveis e submetidos a
acompanhamento externo. Parte
dos países em desenvolvimento vai
por esse caminho, embora Índia e
China tenham recuado ante a relutância de EUA e União Européia
em fixar metas intermediárias.
A posição refratária dos países
ricos serve de escudo para a inércia
dos demais, que, às vezes, fazem
ótimos discursos, mas parecem
confiar na discordância dos "grandes" para não ter que ir além disso.
Ou seja, o barquinho de gelo continua derretendo e a água em volta
está cada vez mais quente. Todo
mundo vai sair escaldado.
Repetimos os mesmos erros,
achando que apenas mais tecnologia resolverá tudo. Não percebemos o nosso modo de ser inadequado como o maior problema. Daí
fica essa repetição neurótica de
comportamentos, que não dá base
para a concretização das propostas. Elas deveriam circular, transitar para a mudança, ainda que esteja muito difícil.
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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