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CLÓVIS ROSSI
Com medo de ser PT
SÃO PAULO - Reproduzo abaixo, com autorização da autora, trechos
de e-mail recebido de Celeste Marcondes, cuja idade não perguntei, por
educação, mas cujo número de RG
indica tratar-se de uma moça da minha geração, em torno dos 60 anos.
Celeste conta ser militante política
desde sempre, o que a levou à clandestinidade nos anos de chumbo.
Seu desabafo:
"Hoje (quinta-feira), assisti a várias mulheres levarem uma surra da
vida. Mulheres pobres, velhas, doentes, esposas de maridos pobres, velhos, doentes que, como eu, lá estavam na fila, havia horas, esperando
receber medicamentos para tratamento de nossos cânceres. Alto custo.
Enquanto esperava, lia.
Como há 50 anos, leio dois jornais
por dia, pois, desde os 20 (militância
oblige), ao acordar, penso que talvez
a utopia sonhada nesta m... de país
será notícia.
Hoje, outras mulheres eram notícia, mulheres de ministros, de governadores, mulheres que, mesmo a esta
altura do movimento feminista e do
politicamente correto (não exijo mais
que isso), ainda acompanham seus
machos em viagens internacionais à
custa do erário. Elas têm ou não o direito de ficar com os seus presentes?
Em meio à leitura, ouço a funcionária avisar que os remédios para
câncer de próstata e o outro para
câncer de mama não estavam disponíveis. Ninguém abriu a boca.
Tentei fazer alguma coisa, mas fiquei com vergonha: já pensou se alguém percebe que sou do PT? Que fiz
campanha 24 horas por dia pelo Lula? Pois é, nem quando estive clandestina senti tanta necessidade de me
esconder.
Estou muito triste, muito mesmo.
Chocada com a humildade, com o silêncio daquelas mulheres retomando
com os seus saquinhos de plástico vazios o caminho da periferia. Talvez
nem saibam o grau da violência de
que estão sendo vítimas".
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