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O VÉU DA POLÊMICA
A polêmica está instalada. A
França poderá acatar a recomendação de uma comissão governamental de banir todos os símbolos
religiosos de escolas públicas. Embora a medida abarque ícones de todas as religiões, incluindo grandes
crucifixos e quipá, o solidéu judaico,
ela foi concebida para evitar que garotas muçulmanas utilizem o véu.
A questão é complexa e comporta
muitas abordagens. O que parece indiscutível é que a escola pública deve
ser laica e republicana. Isso deveria
valer tanto para a França como para o
Brasil. É inadmissível, por exemplo,
que existam símbolos religiosos nas
salas de aula. Também parece razoável sustentar que professores, enquanto representantes do Estado,
devem evitar utilizar ornamentos religiosos ou mesmo políticos.
Resta saber se essas restrições devem ser estendidas aos alunos. A comissão francesa de 20 notáveis presidida pelo ex-ministro da Educação
Bernard Stasi trabalhou por seis meses e fez 120 audiências públicas para
concluir que sim. De acordo com
Stasi, a integração, mesmo que com
alguma dose de violência, é necessária para preservar os valores republicanos. Há aí uma referência indireta
ao extremismo islâmico.
Também se pode concordar com
Stasi em relação ao objetivo de integrar todos os cidadãos franceses,
muçulmanos e não-muçulmanos,
ao secularismo laico e republicano.
Esse de fato parece ser o melhor remédio contra ameaças extremistas.
A pergunta que fica é se a proibição
do véu e de outros símbolos não
constitui uma violência desmedida.
Transpondo o problema para o Brasil, a medida proposta pela comissão
equivaleria a forçar alunas de determinadas correntes evangélicas a utilizar calças no lugar de vestidos ou
manter seus cabelos curtos, algo que
elas se recusam a fazer -sem com
isso infringir nenhuma norma legal
ou de convívio social pacífico.
Mesmo considerando plausível a
hipótese de que muitas alunas muçulmanas francesas só usem o véu
por imposição familiar, parece precipitado afirmar que esse adereço esteja totalmente desprovido de valor
cultural. Enfim, não é impossível que
muitas alunas desejem vesti-lo e se
identifiquem positivamente com
suas origens islâmicas.
A sensação que fica é a de que, para
a comissão, islamismo é sinônimo
de extremismo e deve, portanto, ser
extirpado. Subjaz aí uma visão problemática de democracia, na qual a
tolerância e o respeito à diversidade
se tornam valores menos importantes. Existe até mesmo o risco de a
proposta produzir efeitos inversos
aos desejados. Talvez privar muçulmanos de demonstrar sua identidade cultural nos espaços públicos os
leve a buscá-la em grupos que atuem
à sombra do Estado, com maiores
chances de pregações radicais.
A escola pública deve, sem dúvida,
ser laica, e a integração secular é um
valor a perseguir. Só que essas metas
não podem ser buscadas com o sacrifício da mais elementar das liberdades individuais, que é a de possuir
uma individualidade e exprimi-la de
forma pacífica.
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