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EDITORIAIS
DESIGUALDADE RENITENTE
A pesquisa sobre as condições
sociais e econômicas das famílias brasileiras recentemente divulgada pelo IBGE traz informações à primeira vista conflitantes. Vários dados levantados pela PNAD (Pesquisa
Nacional por Amostragem de Domicílios), relativos a 2001, retratam a
continuidade de um avanço, lento,
mas progressivo, do acesso a bens de
consumo duráveis, à escola, à rede
de esgotos. Em paralelo, no entanto,
a renda média real dos trabalhadores
prosseguiu em queda, acumulando
retração de 10,3% entre 1996 e 2001.
Mais um paradoxo é que essa queda da renda dos trabalhadores foi
acompanhada por ligeiro recuo da
concentração de renda. Segundo o
IBGE, aumentos reais do salário mínimo nos últimos anos (concedidos
a partir de pressões do Congresso
Nacional) podem ser importantes
para explicar esse contraste.
A maioria dos movimentos observados na comparação de 2001 com
1999 (ano da PNAD anterior) representa a continuidade de tendências
presentes na década de 1990. Esse
conjunto de movimentos combina
uma modernização do padrão de
consumo das famílias; um crescente
acesso a bens e serviços próprios da
vida urbana; e a persistência de desigualdade econômica muito aguda.
Embora seja evidente que a imitação do padrão de consumo do Primeiro Mundo tenha avançado muito
mais entre as camadas de renda média e alta, é inegável que parcela da
população de baixa renda obteve
acesso a bens emblemáticos da modernidade (como o telefone celular).
Contribuíram para isso o renascimento do crédito ao consumo propiciado pela redução da inflação, bem
como o barateamento relativo desses
bens (fenômeno global, associado
ao desenvolvimento tecnológico).
A urbanização, embora caótica, e o
gasto público social, constrangido
pelas restrições fiscais, mas empurrado pelas determinações da Constituição, produziram progressos.
No entanto, a despeito da percepção de avanços, não predomina a
sensação de que tenha aumentado de
modo sensível o bem-estar da população. É difícil imaginar que isso não
guarde forte relação com a elevada
tensão social, da qual a criminalidade é talvez o sintoma mais proeminente. Seria equivocado dissociar a
criminalidade dos efeitos sociais e
psicossociais produzidos pela persistência da desigualdade de renda.
A desigualdade e a violência não
são fenômenos recentes, muito menos restritos ao Brasil. São marcas da
América Latina como um todo. A crise econômica que se alastra pelo
continente expressa o fracasso do
modelo econômico que se ancorava
na farta disponibilidade de capitais
externos e prometia, por meio da liberalização da economia, estabilizar
os preços e reduzir as desigualdades.
A inflação caiu, a desigualdade não
-como constatam o IBGE, no Brasil, e a Cepal, na América Latina. E
agora a disponibilidade de capitais
externos diminuiu muito. A necessidade de redefinir o modelo de política econômica está posta. A despeito
de todas as dificuldades, cabe cobrar
que nessa redefinição a ênfase na redução da desigualdade de renda vá,
enfim, além da retórica.
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