|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
EDITORIAIS
GENÉTICA NA PRATELEIRA
Pelo menos no Reino Unido, a
polêmica já se instalou. Testes
genéticos podem ser vendidos em
farmácias sem receita médica ou pela
internet? A Comissão de Genética
Humana britânica iniciou um processo de consulta pública para definir se os testes devem ser objeto de
algum tipo de controle oficial.
Novas técnicas de análise de DNA
permitem o desenvolvimento de testes relativamente simples para saber
se alguém é portador de genes que
-acredita-se- estão associados a
diversas moléstias, incluindo alguns
tipos de câncer. Também é possível,
em princípio, traçar o perfil genético
de uma pessoa para oferecer-lhe
aconselhamento personalizado.
Qual é a dieta que melhor se encaixa
a seu padrão de genes, por exemplo.
Como não existe regulamentação sobre o assunto, algumas empresas já
estão oferecendo testes desse tipo.
Uma vez que não há nenhum risco
físico envolvido na realização desses
testes, não haveria razão para impedir o livre acesso a eles. Mas as coisas
não são tão simples. Em primeiro lugar, algumas dessas companhias podem estar vendendo gato por lebre.
O fato de alguém possuir genes supostamente ligados a certos cânceres
é um dado que, isoladamente, significa pouco. Cientistas estão agora revendo o papel dos genes associados
ao câncer de mama, por exemplo. O
novo consenso é o de que a importância desses genes foi superestimada nos últimos anos. Para que um
teste dessa natureza tenha valor preditivo, é preciso analisar história familiar, hábitos e outros fatores.
No caso dos perfis genéticos para
aconselhamento de dietas ou exercícios, a precariedade dos testes é ainda maior. Embora a tese faça sentido
teórico, o nosso conhecimento genético ainda é muito precário para sustentar a pretensão dos fabricantes.
Existem situações, porém, em que
o teste é 100% infalível. É o caso das
moléstias ligadas a um único gene,
como a doença de Huntington (DH).
É um distúrbio cerebral degenerativo. Costuma manifestar-se na quinta
década de vida dos portadores e não
tem cura. Não adianta alguém descobrir com 20 ou 30 anos de antecedência que vai padecer desse mal.
Na verdade, a utilização de testes
genéticos enseja questões éticas. É
preciso, por exemplo, que exista
uma política de privacidade. Se os
planos de saúde tivessem acesso a
perfis genéticos dos segurados, poderiam discriminar os pacientes que
não querem, como aqueles com propensão a sofrer de moléstias "caras".
Desavenças sobre a informação genética podem dar-se mesmo dentro
de uma família. Se alguém descobre
que tem DH, por exemplo, já está automaticamente informando irmãos
e filhos de que eles poderão desenvolver a moléstia -e sem que eles tenham sido consultados sobre o teste.
Desde que devidamente informados, deve-se facultar aos cidadãos o
direito de perscrutar seus próprios
genes. Mas esse é um terreno delicado, que não pode prescindir de regulamentação. Já é hora de, também no
Brasil, dar-se início aos debates.
Texto Anterior: Editoriais: DESIGUALDADE RENITENTE Próximo Texto: São Paulo - Clóvis Rossi: Ganharam. E agora? Índice
|