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O PARADOXO DE RICHELIEU
"Fazer uma lei e não a mandar executar é autorizar a coisa que se quer proibir". Essa bela e
verdadeira frase é do cardeal de Richelieu (1585-1642), a "eminência
parda" por trás do governo de Luís
13. Circula, portanto, há mais de 350
anos, mas parece ainda não ter sensibilizado parlamentares brasileiros.
As dezenas de milhares de legisladores do país (vereadores, deputados
estaduais e federais e senadores) despejam anualmente milhares de novas regras no Direito brasileiro, sem
se preocupar muito com a sua aplicação, que é, em princípio, uma responsabilidade do Executivo.
O resultado é um emaranhado de
normas, por vezes inócuas, por vezes
contraditórias, que nem sempre
atendem ao requisito básico de qualquer lei, que é tornar mais civilizada a
vida em sociedade.
Os exemplos de leis descabidas são
muitos. O mais recente é a proposta
que tramita no Senado para proibir
que motoristas fumem ao volante. A
argumentação é a de que o ato de fumar tira parte da concentração do
condutor, impedindo-o de dedicar
sua integral atenção ao tráfego. Ela
pode até ter fundamento neurológico, mas a lei não precisa chegar ao
detalhamento de descrever cada uma
das tarefas incompatíveis com a condução de um veículo, como fumar,
utilizar o telefone celular. Essa mesma lógica exigiria a proibição de rádios nos carros e até de conversas entre motorista e passageiros.
Se o veto ao fumo de fato for aprovado e sancionado, é bastante razoável apostar que se tornará mais uma
daquelas leis que "não pegam", seja
por ser pouco razoável, seja pelas evidentes dificuldades de fiscalização.
No mesmo caminho está a proposta, que chegou a ser aprovada pela
Assembléia Legislativa de São Paulo,
mas foi oportunamente vetada pelo
governador, de proibir a criação de
algumas raças de cães tidas como especialmente violentas no Estado. Para de fato implementar a medida, seria preciso criar uma espécie de polícia canina, capaz até mesmo de reconhecer traços das raças proscritas
em animais mestiços.
A iniciativa dos legisladores paulistas é até modesta diante de outras,
como a do deputado federal que pretende proibir o uso de palavras estrangeiras ou a do senador que quer
regulamentar a profissão de astrólogo e o ensino dessa disciplina.
O Brasil, infelizmente, parece ter
herdado algo da pior tradição cartorialista ibérica, segundo a qual todo
problema pode ser resolvido com a
decretação de uma nova lei.
As coisas não são bem assim. Leis
são um assunto sério. Além de moldar as relações sociais e institucionais de um país, do casamento ao comércio, passando pelo trânsito, e da
sucessão presidencial à decretação
de guerra, elas ajudam a definir o caráter de um povo, pela forma como
ele se relaciona com as normas.
Não existe, evidentemente, um número ideal de leis que um país deve
ter, mas o bom senso recomenda
que elas sejam parcimoniosas, claras, bem redigidas e, acima de tudo,
implementáveis, para evitar que continuemos alimentando o paradoxo
de Richelieu ao inadvertidamente autorizar o que queremos proibir.
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