São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

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DEMAGOGIA RURAL

Em mais um de seus conhecidos acessos populistas, o governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), colocou-se no centro de um ato de apoio ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Curitiba. Discursou a favor da invasão de propriedades, fez acusações à imprensa, prometeu a realização de um festival de música pró-reforma agrária e, no final, tirou fotos e distribuiu autógrafos aos presentes.
Comportamentos demagógicos e irresponsáveis como esse evidenciam o quanto de manipulação política tem cercado o movimento. Se, no caso de Requião, o ardil político é claro, no da Comissão Pastoral da Terra, o que se observa é o encontro do coletivismo de esquerda com o distributivismo cristão e o anticapitalismo retrógrado numa pasta ideológica que não vê limites à ocupação de terras produtivas e nivela o agronegócio ao latifúndio improdutivo como grande vilão do conflito agrário.
Não há nenhuma dúvida de que existe uma questão agrária a ser equacionada, que se traduz na pauperização de populações rurais num país em que o processo histórico não repetiu experiências de reformulação da estrutura fundiária ocorridas em outras nações. Não será, contudo, com ações demagógicas como as do governador do Paraná ou com fantasias pré-capitalistas como as da Pastoral da Terra que o país poderá levar essa situação a bom termo.
Embora tenha características próprias, o problema dos sem-terra encontra paralelo no das massas que se concentram nas periferias das grandes cidades. A economia do país e as políticas públicas têm falhado em promover a inclusão social, o que se faz com crescimento, emprego, educação e distribuição de renda.
Trocar, no entanto, a via do debate institucional e das ações planificadas pelo investimento na radicalização desenfreada -a ponto de se invadir uma fazenda produtiva e derrubar eucaliptos sob a alegação de que não servem como alimento- é apostar no caos e no obscurantismo.
A nobre simpatia pelos mais fracos pode levar à ilusão onipotente de que todos os meios são justificáveis para atingir uma mítica justiça final. Talvez isso ajude a explicar certas atitudes da direção do MST e a complacência com que o governo vem tratando o movimento a despeito de suas afrontas à lei. Involuntariamente, o contribuinte brasileiro tem até mesmo sustentado algumas dessas ações inaceitáveis, pois, como já foi mostrado em reportagens desta Folha, artifícios têm sido usados para financiar a organização do movimento com dinheiro público.
Quanto ao governo, cujas promessas de promover uma "reforma agrária do século 21" ainda não produziram nenhum fruto, não se digna sequer a cumprir a medida provisória que congela, por dois anos, o processo de desapropriação de áreas invadidas. Até mesmo um memorando do Incra chegou a ser produzido para ensinar aos superintendentes da autarquia maneiras de burlar a lei. É uma situação grave e intolerável.


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