São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

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NOVAS BACTÉRIAS

Se houve uma revolução que realmente causou impacto sobre o conjunto da humanidade foi a revolução médica. É o caso de lembrar que os microrganismos patógenos são conhecidos da medicina há menos de 150 anos. Antes disso, acreditava-se que doenças eram provocadas por miasmas ou mesmo por encantamentos. Já a anti-sepsia data de 1867. Antes disso, submeter-se a uma cirurgia era mais ou menos como caminhar para o cadafalso, pois médicos não lavavam as mãos nem seus bisturis para operar.
Na década de 1840, Robert Liston, de Londres, foi responsável pelo que provavelmente é a cirurgia mais desastrada da história da medicina. Amputou uma perna em menos de dois minutos, como convinha nesse período pré-anestesia. O paciente, como era normal, morreu de gangrena. Seus golpes de bisturi infectado custaram os dedos de um assistente, também vítima de septicemia. Liston cortou ainda o fraque de um espectador, que teria morrido de susto.
Em termos de saúde pública, as conquistas médicas que mais profundas repercussão tiveram foram as vacinações em massa, no século 20, e a disseminação do uso de antibióticos, que tem início a partir de 1941.
O impacto dos agentes antimicrobianos foi tamanho que, ainda em 1969, o ministro da Saúde dos EUA, William H. Stewart, num testemunho ao Congresso, afirmou: "O livro das doenças infecciosas está para se fechar". Não foi o que aconteceu.
Doenças infecciosas ainda são a primeira causa de morte no mundo. Nas últimas décadas, assistimos ao surgimento de várias delas, como Aids, Sars, Ebola. E patologias que pareciam prestes a ser controladas, como tuberculose e sífilis, voltaram a atacar com força redobrada.
A ressurgência de doenças bacterianas é um fenômeno preocupante em todo o mundo. Está relacionada ao problema da resistência a antibióticos. Bactérias, como todos os seres vivos, apresentam-se com variabilidade genética. Quando submetidas a uma pressão seletiva, como um ataque por antibióticos, nem todas são afetadas. Aquelas com maior resistência natural à droga sobrevivem. Elas e sua descendência tendem a ser imunes ao fármaco.
A má utilização das drogas antimicrobianas contribui enormemente para a resistência, mas ela ocorreria de qualquer forma. As principais linhagens de bactérias resistentes circulam justamente nos hospitais, onde o uso de antibióticos é supostamente sempre judicioso. A medicina vem lidando com esse problema, desenvolvendo novas drogas contra as quais as bactérias não têm defesas. A dificuldade é que, nos últimos anos, vem caindo o número de novos produtos que chegam ao mercado.
Como mostrou reportagem do jornal "Washington Post", o problema é essencialmente econômico. Desenvolver e lançar um medicamento custa em média US$ 900 milhões, num processo que pode levar até uma década. Embora antibióticos sejam amplamente receitados, eles são utilizados por períodos curtos. Assim, os laboratórios têm reduzido as atividades de suas divisões de antibióticos para apostar em drogas de uso crônico.
É urgente reverter essa equação ou as bactérias poderão vencer a guerra contra os medicamentos.


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