|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NOVAS BACTÉRIAS
Se houve uma revolução que
realmente causou impacto sobre o conjunto da humanidade foi a
revolução médica. É o caso de lembrar que os microrganismos patógenos são conhecidos da medicina há
menos de 150 anos. Antes disso,
acreditava-se que doenças eram provocadas por miasmas ou mesmo por
encantamentos. Já a anti-sepsia data
de 1867. Antes disso, submeter-se a
uma cirurgia era mais ou menos como caminhar para o cadafalso, pois
médicos não lavavam as mãos nem
seus bisturis para operar.
Na década de 1840, Robert Liston,
de Londres, foi responsável pelo que
provavelmente é a cirurgia mais desastrada da história da medicina.
Amputou uma perna em menos de
dois minutos, como convinha nesse
período pré-anestesia. O paciente,
como era normal, morreu de gangrena. Seus golpes de bisturi infectado
custaram os dedos de um assistente,
também vítima de septicemia. Liston
cortou ainda o fraque de um espectador, que teria morrido de susto.
Em termos de saúde pública, as
conquistas médicas que mais profundas repercussão tiveram foram as
vacinações em massa, no século 20, e
a disseminação do uso de antibióticos, que tem início a partir de 1941.
O impacto dos agentes antimicrobianos foi tamanho que, ainda em
1969, o ministro da Saúde dos EUA,
William H. Stewart, num testemunho ao Congresso, afirmou: "O livro
das doenças infecciosas está para se
fechar". Não foi o que aconteceu.
Doenças infecciosas ainda são a
primeira causa de morte no mundo.
Nas últimas décadas, assistimos ao
surgimento de várias delas, como
Aids, Sars, Ebola. E patologias que
pareciam prestes a ser controladas,
como tuberculose e sífilis, voltaram a
atacar com força redobrada.
A ressurgência de doenças bacterianas é um fenômeno preocupante
em todo o mundo. Está relacionada
ao problema da resistência a antibióticos. Bactérias, como todos os seres
vivos, apresentam-se com variabilidade genética. Quando submetidas a
uma pressão seletiva, como um ataque por antibióticos, nem todas são
afetadas. Aquelas com maior resistência natural à droga sobrevivem.
Elas e sua descendência tendem a ser
imunes ao fármaco.
A má utilização das drogas antimicrobianas contribui enormemente
para a resistência, mas ela ocorreria
de qualquer forma. As principais linhagens de bactérias resistentes circulam justamente nos hospitais, onde o uso de antibióticos é supostamente sempre judicioso. A medicina
vem lidando com esse problema, desenvolvendo novas drogas contra as
quais as bactérias não têm defesas. A
dificuldade é que, nos últimos anos,
vem caindo o número de novos produtos que chegam ao mercado.
Como mostrou reportagem do jornal "Washington Post", o problema
é essencialmente econômico. Desenvolver e lançar um medicamento custa em média US$ 900 milhões, num
processo que pode levar até uma década. Embora antibióticos sejam
amplamente receitados, eles são utilizados por períodos curtos. Assim,
os laboratórios têm reduzido as atividades de suas divisões de antibióticos para apostar em drogas de uso
crônico.
É urgente reverter essa equação ou
as bactérias poderão vencer a guerra
contra os medicamentos.
Texto Anterior: Editoriais: DEMAGOGIA RURAL Próximo Texto: Bruxelas - Clóvis Rossi: Semelhantes e medíocres Índice
|