São Paulo, domingo, 18 de maio de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Esquerda em processo TARSO GENRO
Há muitos anos venho escrevendo
na Folha a respeito dos dilemas
que envolvem as ideologias da esquerda
contemporânea e as amargas heranças
das experiências socialistas do nosso
tempo. Esse debate agora renasce com o
PT no governo. Grandes transformações modernizantes e reformas democráticas são originárias das lutas da esquerda. Nenhuma das grandes conquistas sociais do nosso tempo esteve
ausente das agendas da esquerda socialista ou social-democrata.
Nesse sentido, o partido se nega a ser "vanguardista", tipo bolchevique, para promover a aceleração da luta de interesses, mas quer conciliá-los através de um acordo com sentido policlassista. O objetivo é criar condições para enfrentar o domínio global do capitalismo especulativo, que desarma políticas econômicas, ataca moedas fracas e gera o caos e a instabilidade. Sem isso, qualquer projeto é impossível. O partido no governo, portanto, privilegia a "segurança" como condição mínima para as mudanças e opera nessa direção de maneira aberta. Não é um partido que exacerba a luta de classes, porque essa exacerbação fragiliza o governo ante o domínio do capital financeiro globalizado: esta é a primeira e estratégica condição a ser assumida. Tudo para que possa ocorrer uma transição -internamente negociada- para um modelo de desenvolvimento de produção, emprego e distribuição de renda. O debate que travamos, em consequência, não é entre uma visão de "esquerda" e uma visão de "direita", ou mesmo sobre se o partido no governo perdeu seus compromissos programáticos. É sobre duas visões de esquerda, uma em mudança e outra tradicional. Trata-se, para nós do governo, de dar sentido no presente a uma utopia democrática de caráter reformista, que quer produzir conquistas civilizatórias que não tenham possibilidade de retrocesso -o retrocesso que ocorreu em todas revoluções ou "golpes" esquerdistas até hoje realizados. Toda a esquerda, em escala mundial, está em processo de mudanças. Essas mudanças tanto podem se dar num sentido negativo e anti-humanista, como fez uma boa parte da social-democracia européia (que acabou renunciando à capacidade regulatória e distributiva que caracteriza o Estado moderno e se jogou na defesa do belicismo americano), como positivo. Na verdade, não há nem precedente histórico nem uma teoria da transição de um modelo de modernização conservadora vinculados ao capital financeiro para um modelo produtivista de crescimento acelerado e inclusão social. Temos, ao mesmo tempo, que teorizar e praticar. Devemos fazê-lo com cautela para não jogar essa experiência fora. O dilema fundamental da esquerda, nesse contexto, é responder ao desafio posto pela contradição aguda entre inclusão e exclusão, que, não resolvido, só pode levar a soluções caudilhescas. Esse confronto, se não for enfrentado na ação de governo, através de um novo modelo de desenvolvimento, com o apoio de vastos setores de todas as classes sociais, inclusive das trabalhadoras, que ainda vivem à sombra da lei e do direito e que cultuam, cada vez mais, a segurança como valor fundamental das suas vidas cotidianas, pode comprometer até mesmo a democracia política. Tarso Genro, 56, advogado, é ministro da Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: José Carlos Dias: A caixa-preta da Justiça Índice |
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