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Editoriais
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Decisão absurda
Tem faltado ao Judiciário a percepção de que a liberdade de imprensa não é uma benesse, mas um direito de todos
É ABSURDA a decisão do juiz
auxiliar da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, Francisco Carlos I. Shintate,
que impôs multa a Marta Suplicy, à Empresa Folha da Manhã S.A., que edita a Folha, e à
Editora Abril S.A., responsável
pela "Veja São Paulo", por entender que entrevistas publicadas por esses veículos com a candidata configuram propaganda
eleitoral antecipada.
A determinação -da qual cabe
recurso-, embora travestida da
aparência de juridicidade, viola
mandamentos constitucionais,
preceitos elementares de lógica
e todas as lições sobre a importância da liberdade de imprensa.
Ao tentar fundamentar sua decisão, o magistrado sustenta que
o princípio constitucional que
assegura a liberdade de imprensa (art. 220) e o caput do artigo
5º, que estabelece "a igualdade
entre todas as pessoas", são hierarquicamente idênticos. A seguir, porém, o juiz conclui ser legítimo restringir a liberdade de
informação para preservar a
"igualdade de oportunidade entre pré-candidatos".
É uma solução abstrusa. O caput do artigo 5º é antes de mais
nada uma idéia reguladora, dada
a impossibilidade de tratar a todos igualmente. A própria Constituição estabelece diferenças
jurídicas entre cidadãos: militares, por exemplo, não têm direito a greve. Bem mais longe vai a
legislação ordinária: mulheres
aposentam-se com menor tempo de contribuição do que homens; empregados domésticos
não têm o FGTS obrigatório.
Deve-se ainda lembrar que até
as normas eleitorais discriminam entre candidatos, ao conceder-lhes tempos diferenciados
de exposição no rádio e na TV,
segundo a representação de seu
partido. E assim deve ser, pois é
ridículo dispensar o mesmo tratamento jornalístico a um candidato líder nas pesquisas e a um
dos chamados nanicos. A vigorarem as regras do mundo fantástico de certos juízes, o jornal do
PT, por exemplo, teria de dar o
mesmo espaço a seus candidatos
e respectivos rivais.
Para tornar o panorama mais
sombrio, pululam indícios de
que este não é um caso isolado. O
TSE não acatou um pedido das
empresas "O Estado de S. Paulo"
e "Agência Estado" para que
suas páginas na internet recebessem o mesmo tratamento
dispensado a jornais, e não a rádios e TVs -as quais, a partir de
1º de julho, ficam sujeitas a restrições, como o impedimento de
manifestar opinião favorável ou
contrária a candidatos.
Não há dúvida de que o legislador errou ao equiparar, na lei nº
9.504/97, a internet a rádios e
TVs e não a publicações escritas.
A rede de computadores, ao contrário das emissoras, não é uma
concessão pública nem comporta um número máximo de estações. É frustrante ver a máxima
corte eleitoral eximir-se de corrigir tamanho equívoco.
Falta a representantes do Judiciário a percepção de que a liberdade de imprensa não é uma
benesse às empresas, mas um direito de todos. Quem bem colocou a questão foi Felix Frankfurter (1882-1965), um dos maiores
magistrados dos EUA: "A liberdade de imprensa não é um fim
em si mesmo, mas um meio para
se chegar a uma sociedade livre".
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