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Erros gravíssimos
Mais que um desatino de 11 militares, o assassínio de jovens de favela do Rio resulta de imprudência no emprego do Exército
NÃO É apenas um "erro
gravíssimo" e "abominável" -palavras do
presidente da República- a ação de 11 integrantes
do Exército na favela carioca da
Providência. A tortura e o assassinato de três rapazes capturados pelos militares e por eles entregues a facínoras do vizinho
morro da Mineira resultaram de
uma sucessão de erros -gravíssimos, abomináveis- que vai
além da simples responsabilização dos envolvidos.
Apesar do risco evidente para a
imagem das Forças Armadas, o
governo federal não se mostra
inclinado a extrair todas as lições
da tragédia previsível. Embora
não descarte retirar a tropa da
Providência, decisão que seria
tomada "com calma" nos próximos dias, Lula prossegue na defesa da presença do Exército como garantia de segurança para as
obras na comunidade. Reincide,
assim, no equívoco que engendrou o desastre.
Militares não têm treinamento
para garantir a ordem pública, e
sim para a guerra. A recente experiência de alguns contingentes
na missão de paz no Haiti é de
pouca valia em território nacional. O artigo 142 da Constituição
admite seu emprego na garantia
da lei e da ordem, mas em acordo
com a lei complementar nº 117/
2004, pela qual esse engajamento deve restringir-se a local e períodos limitados e pressupõe reconhecimento formal da insuficiência dos órgãos de polícia.
Ora, a mobilização da tropa na
Operação Cimento Social se deu
em franco desrespeito a tais
princípios. O que principiou como trabalho social de engenheiros militares, a reforma de 782
casas da Providência, terminou
com soldados atuando desde dezembro de 2007 como meros seguranças de operários na obra a
cargo de uma empreiteira terceirizada. Embora a favela seja um
dos territórios controlados por
uma facção criminosa na capital
fluminense, não se tem notícia
de que o governo do Estado já tenha abdicado ali de exercer seu
poder de polícia.
Pior: o projeto em que se envolveu o Exército tem nítido propósito eleitoreiro. O Ministério
das Cidades e o da Defesa associaram-se à iniciativa de interesse do senador Marcelo Crivella,
pré-candidato a prefeito pelo
mesmo partido do vice-presidente da República (PRB). Mais
de R$ 13 milhões foram carreados para as obras.
Esse uso político-partidário do
Exército redundou num exemplo de manual daquilo que mais
se teme em seu emprego na segurança pública e na repressão
ao tráfico: a contaminação da
tropa. Não há palavra mais adequada para descrever a "negociação" entre os 11 militares que detiveram os três jovens e os traficantes do morro da Mineira, dominado por uma facção rival.
Não foi o primeiro episódio de
promiscuidade e não será o último, se governantes incompetentes para manter a ordem pública
continuarem a insistir na alternativa tão fácil quanto populista
e ineficaz de arrastar o Exército
para esse pântano.
Não basta o pedido de desculpas. A Presidência da República
precisa pôr um ponto final nessa
malfadada aventura militar.
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