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Editoriais
Derrota de um estilo
O casal Kirchner sempre acreditou em confrontar para conquistar, mas forçou a mão no conflito agrícola e saiu perdendo
CRISTINA Kirchner assumiu a Argentina em
condições muito menos
adversas que as enfrentadas pelo marido, Néstor, quatro anos antes. Com menos de
um quarto dos votos, ele chegava
ao poder de um país fraturado,
que tivera cinco presidentes nos
dois anos anteriores.
Cristina, surfando na onda da
recuperação econômica pilotada
pelo cônjuge com o auxílio de um
cenário externo favorável, impôs
à segunda colocada, Elisa Carrió,
a maior margem de pontos na
Argentina pós-ditadura. A fratura do país parecia superada.
Números, no entanto, muitas
vezes são enganosos, como bem
sabem os Kirchner. Afinal, foi
manipulando os índices da inflação que conseguiram manter alto o superávit fiscal primário.
Acreditando no mito da própria onipotência, o casal presidencial forçou a mão em março.
Sem poder contar com receitas
extraordinárias que ajudaram a
equilibrar as contas nos últimos
anos, promoveu um aumento
das alíquotas sobre exportação
de grãos a níveis que o próprio
Roberto Lavagna, ex-ministro de
Kirchner responsável pela entrada desses tributos em vigor,
qualificou de confiscatórios.
O aumento foi a gota d'água para o campo, que já questionava as
políticas para o setor que é o dínamo da economia argentina. Na
radicalização, saiu perdendo o
governo. A popularidade de Cristina despencou para menos de
20%. Acuada, a presidente decidiu, após três meses de impasse,
recorrer ao Congresso, para dar
"institucionalidade" à medida.
Tarde demais. O tempo e o desgaste diluíram a ampla base que
possuía no Legislativo. A vitória
na Câmara foi apertada; no Senado, o vice-presidente, Julio César Cobos, usou seu voto de Minerva para desempatar contra a
Casa Rosada.
Cobos, ironicamente, foi escolhido também para dar "institucionalidade" à candidatura de
Cristina. Arredios a dividir poder, os Kirchner encenaram
magnanimidade ao dar o cargo
de vice a um político da União Cívica Radical, rival histórica do
peronismo. Não passou de aceno: antes mesmo de explicitar a
divergência, Cobos já era marginalizado pelo governo por insinuar-se independente demais.
A derrota de Cristina é a derrota de um estilo. Kirchner e a mulher sempre acreditaram em
confrontar para conquistar. Tiveram sucesso quando os inimigos não passavam de fantasmas
sem chance de se defender, como
os remanescentes da última ditadura finda há 25 anos. Fracassaram quando o adversário mostrou poder de mobilização próprio, independente das verbas
que o governo usou para cooptar,
por exemplo, os piqueteiros, fundamentais para a derrubada de
Fernando de la Rúa em 2001.
O tom belicoso do primeiro
discurso pós-derrota mostra que
Cristina Kirchner não aprendeu
a lição. Em sete meses no cargo,
viu o céu de brigadeiro da posse
turvar-se em crise política, convulsão social e de desaceleração
econômica. A manter-se a toada,
com mais de três anos de gestão à
frente, sobrará tempo para que
ela e o marido dinamitem tudo o
que construíram desde 2003.
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