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TENDÊNCIAS/DEBATES
A atual forma de indicação dos ministros do
STF compromete a autonomia do Judiciário?
NÃO
Inventando problemas
VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA
DE TEMPOS em tempos surgem
propostas de mudança na forma de indicação dos ministros
do STF (Supremo Tribunal Federal).
E, como é comum no Brasil, propostas de reformas institucionais costumam vir à tona após alguma polêmica
envolvendo um dos Poderes da República. Nesta semana, no calor da polêmica que envolve o presidente do tribunal, o assunto voltou à pauta.
O senador Edison Lobão Filho
(PMDB-MA) propôs que o processo
de indicação dos ministros do STF seja alterado. Atualmente, eles são nomeados pelo presidente da República,
depois de aprovada a escolha pelo Senado. Pela proposta de Lobão Filho, o
próprio STF escolheria seus integrantes, a partir de uma lista tríplice
composta por indicações da OAB e
das Comissões de Constituição e Justiça da Câmara e do Senado.
Muitos se sentem incomodados
com o fato de o atual presidente da
República já ter indicado 7 dos 11 ministros do STF. Será que isso significa
que a autonomia do Supremo está
comprometida? Aquele que responde
afirmativamente a essa pergunta necessariamente insinua que os ministros do STF devem favores àquele que
os indicou e que, por isso, não seriam
imparciais ao julgar alguns casos. O
STF -como todo tribunal de cúpula- está sujeito a uma série de críticas
em relação à sua atuação. Mas essa -a
de falta de autonomia em relação
àquele que indica os ministros- parece ser a menos procedente de todas.
Ao contrário do que acontece, por
exemplo, nos EUA, cuja Suprema
Corte tem fases mais democratas e fases mais republicanas, é simplesmente impossível, no Brasil, apontar alguma identificação do STF com esse ou
aquele partido, esse ou aquele presidente da República. O fato de a maioria absoluta dos atuais ministros ter
sido indicada pelo mesmo presidente
não mudou em nada esse diagnóstico.
Qualquer um que conheça um pouco a atuação de tribunais de cúpula
pelo mundo afora sabe que o seu grau
de ativismo (que alguns preferem
chamar de "politização") e o seu grau
de autonomia não têm relação necessária com a forma de seleção de seus
integrantes. Um mesmo tribunal pode ter fases de maior ativismo e fases
de maior contenção judicial.
A principal garantia de autonomia
ao Judiciário não é a forma de seleção
de seus membros, mas as garantias
institucionais após essa seleção, como a inamovibilidade, a irredutibilidade de vencimentos, a estabilidade,
dentre outras. Os ministros do STF
continuarão ministros até completarem 70 anos, e isso significa que, em
geral, sua atividade no tribunal ultrapassa, às vezes em muito tempo, o
tempo de mandato do presidente da
República que os tenha indicado.
Em suma, embora eu não pretenda
aqui defender a atual forma de indicação de ministros como necessariamente a melhor de todas as imagináveis, parece-me necessário afirmar,
com todas as letras, que imputar a ela
uma suposta falta de autonomia do
tribunal é simplesmente inventar
problemas onde eles não existem.
Para quem, mesmo assim, pretende
insistir no assunto, é possível fazer
duas pequenas observações finais.
Em primeiro lugar, não basta simplesmente insinuar que "pode haver"
comprometimento da autonomia do
STF. A atual forma de indicação dos
ministros é a mesma desde o início da
República. Por isso, quem faz a insinuação precisa indicar, na história recente do STF, quais ministros deixaram de decidir quais casos de forma
isenta por gratidão ao presidente que
os indicou. O debate não pode ser
conjetural, como se estivéssemos discutindo um modelo de indicação que
ainda não existe; ele tem que ser factual, pois é sobre um modelo que existe há mais de cem anos.
E, por fim, é preciso lembrar que o
processo de escolha dos ministros do
STF não envolve apenas o presidente
da República, mas também o Senado,
que é responsável por sabatinar e
aprovar os indicados. E essa prerrogativa implica a possibilidade de rejeitar qualquer nome que não pareça
estar à altura da função de ministro
do mais alto tribunal do país, algo que
o Senado nunca fez.
Por isso, é até irônico que a proposta de mudança tenha origem justamente no órgão que até hoje menos
cumpriu sua tarefa no processo de seleção de ministros do STF.
VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA , 34, é professor titular de
direito constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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