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TENDÊNCIAS/DEBATES
A atual forma de indicação dos ministros do
STF compromete a autonomia do Judiciário?
SIM
O STF na agenda política
ANDRÉ RAMOS TAVARES
O FORMATO que o Brasil adotou
para compor sua mais alta corte de Justiça, o STF (Supremo
Tribunal Federal), é um retrato fiel da
Suprema Corte dos Estados Unidos,
criada em sua Constituição de 1787. O
mecanismo é simples: o futuro integrante do tribunal é escolhido pela
vontade exclusiva do presidente da
República, atendidos alguns critérios
mínimos de idade, reputação e capacitação jurídica.
Devo advertir o leitor de que não se
trata de qualquer tribunal, como já
havia percebido Campos Sales, enquanto ministro da Justiça do governo provisório republicano, em 1890,
quando se instaurou definitivamente
esse modelo entre nós. Isso porque a
esse tribunal se confere o "poder" de
anular as leis que considere inconstitucionais, além de ter a última palavra
sobre processos judiciais importantes e sobre a interpretação da Lei Máxima de nossa sociedade.
O modelo exclusivamente político
e pessoal de escolha admite uma estranha e indesejada proximidade entre o futuro integrante do tribunal e o
chefe do Executivo que o indicou, numa espécie de cumplicidade que pode
solapar a imprescindível imparcialidade que se espera do tribunal.
Permitir essa seleção unipessoal do
presidente da República é admitir
que venha a ocorrer a temida politização partidária do tribunal, realidade
incontestável no caso da Suprema
Corte norte-americana. Basta lembrar a tentativa do atual governo
Bush de alcançar maioria conservadora (republicana) na Suprema Corte
com o intuito de rever e reverter decisões mais "liberais".
No Brasil, o presidente Lula já indicou 7 de um total de 11 ministros do
STF. Saiba o leitor que bastam seis
ministros favoráveis para anular, com
efeito geral, uma lei aprovada pelo
Congresso. Tivessem sido feitas escolhas descuidadas e guiadas por motivos egoísticos, certamente teríamos
uma gravíssima crise institucional.
Potencializa ao infinito esse perigo
a atual vitaliciedade dos ministros (é
preciso migrar para mandatos fixos
não renováveis, como ocorre na esmagadora maioria dos países com
Justiça constitucional). Se, de uma
parte, garante-se, com a vitaliciedade,
mais autonomia aos ministros, de outra parte, tem-se a perpetuação do
nomeado.
Embora também haja, na história
norte-americana e na brasileira,
prognósticos que fracassaram totalmente sobre o que esperar dos juízes
que estavam sendo indicados, isso
não é minimamente suficiente para
infirmar a precariedade do modelo,
que revela, por si mesmo, a ascendência que um possível presidente aliciador pode assumir sobre o agraciado.
A atuação do Senado, no Brasil, tem
sido pífia: invariavelmente se curva às
escolhas presidenciais, confirmando-as. Mas, ainda que atuasse drasticamente, só poderia criar um mal-estar,
constantemente recusando os nomes
escolhidos pelo presidente, mas nunca podendo indicar um substituto.
A fórmula atual, apesar de ter sido
exercida com sobriedade na maioria
das indicações dos últimos tempos no
país, baseia-se em um modelo arcaico
e potencialmente gerador de grandes
crises jurídico-políticas. Como fórmula abstrata, assemelha-se àquela
própria do Estado absolutista, em que
as cortes de Justiça eram o meio pelo
qual o rei administrava a lei, sendo os
juízes braços executores da vontade
da monarquia, como bem narrou William Blackstone, em seus "Comentários às Leis da Inglaterra" (século 18).
Se no Brasil recente o modelo adotado não se tem prestado a gerar um
cenário sombrio de distorção do Estado constitucional democrático, devemos isso mais a um feliz casuísmo
do que a uma salvaguarda normativa
bem estabelecida.
Em conclusão, o modelo em vigor é
um dos mais trágicos. Alternativas
não faltam. Destaco que uma nova
fórmula deve consagrar a diversidade
social, ideológica, política e econômica no tribunal, que "represente" as diversas facetas da complexa sociedade
brasileira, permitindo um diálogo.
O modelo atual ignora essa necessidade, única capaz de gerar a real autonomia. Essa discussão deveria entrar
na agenda dos assuntos republicanos
a serem urgentemente enfrentados.
ANDRÉ RAMOS TAVARES , 35, livre-docente em direito
constitucional pela USP e professor da PUC-SP e do Mackenzie, é diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais. É autor, entre outras obras, de "Teoria da Justiça Constitucional" e "Reforma do Judiciário".
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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