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MARCOS NOBRE
Declaração
de tortura
O QUE HÁ DE melhor em uma
democracia é que se deve
obedecer à lei ao mesmo
tempo em que se tem o direito de
não concordar com ela. Do contrário, leis seriam eternas. Se são modificadas, é porque há discussão
pública e avaliação da sua pertinência e adequação.
E, no entanto, bloquear a discussão é o que fazem sistematicamente as Forças Armadas quando o assunto é assassinato de presos e prática de tortura durante a ditadura.
A única declaração oficial é sempre
a de que a Lei de Anistia de 1979
pôs um ponto final no debate.
Cabe perguntar por que e até
quando as Forças Armadas vão
carregar nas costas os crimes da ditadura. Sua recusa ao debate é tanto mais incompreensível porque é
um tiro no pé: tem como única conseqüência prolongar uma confusão
entre Forças Armadas e violência
de Estado. Deveria ser do seu
maior interesse mostrar que não se
confundem com tortura e assassinato de presos.
A verdade só virá à tona quando
se deixar de atribuir a culpa ao Estado como entidade abstrata. Não
são todos os militares que torturaram e assassinaram. Cabe identificar quem praticou tais atos.
Esse é o sentido de uma ação declaratória de responsabilidade civil
por tortura proposta por cinco
membros de uma mesma família
contra um coronel reformado do
Exército. O objetivo da ação é o de
declarar a responsabilidade do réu
pela prática de tortura, e não de
condená-lo.
É verdade que, se a ação tiver êxito, nada impedirá que os autores
ingressem posteriormente com
uma ação condenatória. Mas, independentemente de possíveis punições, o mais importante no momento é identificar e responsabilizar indivíduos. Separar a declaração de responsabilidade de possíveis punições é uma estratégia jurídica de vistas largas. Mostra que é
possível buscar a verdade sem se
enredar no bloqueio antidemocrático da discussão que fazem hoje as
Forças Armadas.
Trazer a verdade à tona tem conseqüências de grande alcance. Uma
das mais importantes é a de que,
distinguindo militares de criminosos, será possível finalmente retirar de circulação a expressão ditadura "militar".
Não só porque as Forças Armadas vão poder enfim olhar a sociedade brasileira de frente outra vez,
sem serem confundidas com arbítrio e violência, mas também porque deixar para trás a denominação "ditadura militar" vai revelar
com clareza os muito mais numerosos beneficiários e colaboradores não-militares da ditadura. Que
também não foram ainda declarados responsáveis por nada na ditadura que sustentaram com tanto
zelo e empenho.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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