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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES
Da saúva à
corrupção
A corrupção no Brasil transformou-se em uma doença endêmica. Isso não é privilégio nosso. A patologia existe em outros países, embora
com tratamento bem diferente do que
é usado no Brasil.
Os estudos sobre corrupção são relativamente novos, mas já chegaram a
conclusões bastante sólidas. Uma delas diz respeito a íntima relação que
existe entre o excesso de burocracia e
as práticas ilegais. Na verdade, burocracia e corrupção não podem ser tratadas de forma separada.
Em um estudo recente, identificou-se que 1) a corrupção em uma parte da
máquina pública tende a gerar corrupção em outra parte; 2) o excesso de
regulamentação potencializa a prática
da corrupção; 3) o emaranhado de
leis, decretos, portarias e regulamentos complexos instigam os burocratas
e os corruptores a praticar a corrupção (Sergei Guriev, "Red Tape and
Corruption", Oxford: Elsevier, 2004).
Essas conclusões parecem vir a calhar no caso brasileiro, no qual se costuma criar dificuldades para vender
facilidades. A corrupção é uma praga
generalizada nos governos e até mesmo dentro das grandes empresas.
Ninguém escapa. Por isso, aquele que
diz não existir corrupção na organização em que trabalha tende a estar redondamente enganado.
Os custos do excesso de burocracia
são bem conhecidos. As pessoas e as
firmas gastam tempo e recursos excessivos para vencer os trâmites administrativos. Isso trava os negócios e
impede o crescimento.
É daí que vem a tentação à corrupção. Toda vez que, cansado ou desanimado, o agente econômico decide
"engraxar" os burocratas, ele cai numa armadilha da qual jamais se livrará. Corrompidos e corruptores podem até resolver seu problema de
imediato, internalizando os benefícios. Mas todos os custos são passados
a toda a sociedade.
Corrupção gera corrupção. É uma
roda que não pára de rodar. O cipoal
de complicações burocráticas é criado
em nível superior, mas a corrupção é
praticada em uma longa hierarquia de
níveis inferiores de tal modo que uma
boa parcela da máquina pública passa
a operar na base da corrupção. Em outras palavras, o excesso de burocracia
gera corrupção endêmica, que se alastra por todos os órgãos públicos e se
infiltra nas grandes empresas, com raras exceções.
Em suma, a corrupção é uma doença altamente contagiosa e para a qual
não há cura. Nesse sentido, a corrupção se assemelha às doenças crônicas,
como o diabetes. Não há cura, mas o
controle contínuo pode reduzir drasticamente os seus efeitos secundários.
Muitos países possuem programas
explícitos de combate à corrupção,
que incluem, entre outras coisas, a
simplificação das burocracias, a exposição pública dos corruptos e corruptores e as penalidades legais efetivas.
Nesse campo, como no do crime e
no da violência, mais importante do
que leis enérgicas é a implementação
dessas leis para que isso sinalize aos
potenciais protagonistas da corrupção o que pode ser o seu destino.
Isso está fazendo falta no Brasil. O
que não podemos é continuar tapando o sol com a peneira.
Lembremos do velho refrão: ou o
Brasil acaba com a saúva, ou a saúva
acaba com o Brasil...
Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.
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