|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Nos tempos da onça
RIO DE JANEIRO - Uma pena que o anti-semitismo e o integralismo entusiástico de Gustavo Barroso tenham apagado o mérito de sua produção literária. Mal comparando, ele
repete em menor escala o caso de
Wagner, que nunca será reabilitado
totalmente da fúria ideológica que
tornou sua obra polêmica.
Nos anos 40, Gustavo Barroso publicou um livro merecidamente esquecido devido aos excessos de uma
paranóia que pode ser atribuída
mais a uma doença do que à perversão cultural.
O livro em questão é "Brasil, Colônia de Banqueiros", historiando os
empréstimos do Império e da República de 1824 a 1934. Há vários trechos que, descontada a paranóia ou
a perversão, continuam atuais, explicando como se processa a política (ou
o negócio) dos empréstimos internacionais.
Com base em dados oficiais, ele
analisa o empréstimo feito ao Brasil
por ocasião da nossa independência
política, em 1822. O valor da operação foi de 12.397.777$777 (réis). Custou ao país 60.348.179$393. Quase
cinco vezes o valor inicial.
E pior: de certa forma, até hoje estamos pagando essa dívida embutida
nos juros de operações mais recentes,
não mais feitas em libras esterlinas,
como no tempo do Império, mas em
dólares. Foi, como disse Gustavo Barroso, "o começo do giro de um parafuso sem fim".
Citando Amaro Cavalcanti, o escritor cearense verificou que o Império
legou à República uma dívida de
30.283.200 de libras, nascida de um
empréstimo de apenas 3 milhões de
libras. Cita igualmente Oswaldo Aranha, ministro da Fazenda de Vargas,
em relatório publicado no "Diário
Oficial" de 7 de fevereiro de 1934:
"Em contos de réis, o Brasil recebeu
10 milhões mais ou menos, pagou oito milhões e meio e ainda deve de capital quase 10 milhões, sem contar o serviço de juros".
São coisas do tempo do onça. Ficam atuais porque a onça continua
bebendo a nossa água.
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: A luta continua Próximo Texto: Antônio Ermírio de Moraes: Da saúva à corrupção Índice
|