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Editoriais
Poder em descrédito
Falta de decoro, abuso de autoridade e lobismo bilionário evidenciam-se com rara intensidade no caso Daniel Dantas
AO CONTRÁRIO da antiga
anedota, seria o caso de
dizer que, entre mortos e feridos, ninguém
se salvou dos acontecimentos
políticos da última semana. A falta de decoro, cuja existência se
costumava atribuir primordialmente ao mundo parlamentar,
revelou-se presente nos mais diversos níveis institucionais com
os desdobramentos da Operação
Satiagraha.
Do Palácio do Planalto veio,
sem dúvida, o exemplo mais tosco e aberrante desse processo generalizado de desgaste. Com participação direta do presidente
Lula, optou-se por divulgar um
trecho brevíssimo, escolhido a
dedo, das gravações de uma reunião de quase três horas, na qual
se decidiu o afastamento do delegado Protógenes Queiroz do comando da investigação.
Numa espécie de vazamento
"chapa-branca", tentou-se dar
comprovação factual -para
quem quiser acreditar- ao jogo
de cena improvisado na véspera,
no qual Lula repreendia o delegado por sua suposta e implausível iniciativa de abandonar o caso. Difícil dizer o que há de mais
condenável na pantomima.
Dispor-se a um bate-boca com
o delegado, como fez o presidente, já seria por si só ato incompatível com a dignidade do cargo.
Bate-bocas não faltaram, contudo, desde que vieram a público as
primeiras notícias da operação.
É como se todo o protocolo oficial tivesse entrado em colapso
com o episódio. O presidente do
STF esbraveja contra a polícia e
um juiz de instância inferior. O
ministro da Justiça atrapalha-se
em bravatas e se estatela em recuos de última hora. Senadores
da oposição se vêem enredados
na mesma teia de denúncias que
constrange seus adversários.
Ainda que tenham sido vários
os erros cometidos durante a
Operação Satiagraha, nada se
compara ao verdadeiro abuso de
autoridade cometido pelo Executivo: joga-se contra uma única
pessoa, o delegado Queiroz, o peso esmagador da própria Presidência, que consente com um
método de manipulação das gravações oficiais que não há exagero em qualificar de stalinista.
De todo esse espetáculo de primarismo, arrogância e descontrole autoritário, nenhuma instituição política brasileira parece
ter saído incólume. Há, entretanto, instituições que continuam funcionando como se nada acontecesse; funcionam bem
demais, até. É o caso do Banco do
Brasil, que acaba de autorizar um
empréstimo recorde de R$ 4,3
bilhões para possibilitar a compra da Brasil Telecom pela Oi,
numa operação em aberto conflito com as normas em vigor
-conflito que o Executivo se esforça para resolver, contra o interesse do consumidor.
Enquanto o governo Lula tenta
transmitir a idéia de que persistirá nas investigações contra Daniel Dantas, o mercado de especulações coloca em R$ 1 bilhão o
que o mesmo Dantas deverá embolsar com o negócio. Seu banco,
o Opportunity, está vendendo a
participação na Brasil Telecom.
Sócios, dentro e fora do governo, não faltam nesse escândalo,
que põe em questão, como poucos antes dele, a credibilidade
nas instituições públicas do país.
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