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CARLOS HEITOR CONY
Bola de cristal
Rio de Janeiro - Deus existe! Acaba
ram-se minhas dúvidas, espantos e
fossas a respeito do futuro, do meu
futuro e do futuro da humanidade.
Deu-se que escrevi um romance em
que havia alguns ciganos como personagens e recebi de um deles, que
vende panelas de estanho no Largo
do Machado, uma bonita bola de
cristal.
Talvez não seja de cristal, mas de
vidro ordinário. Para todos os efeitos
ficou sendo de cristal, pois tem uma
base metálica, o acabamento tradicional dessas bolas de cristal que a
gente vê nos desenhos animados e
nas histórias em quadrinhos. Num
filme de Orson Welles com Marlene
Dietrich, que sempre passa na TV, há
uma bola igualzinha.
A princípio, pensei em aproveitá-la
como peso de papéis, mas mudei de
idéia. Desde menino sempre ouvi falar que se lê o futuro nas bolas de cristal, e a minha devia ter uma porção
mágica, fora regada por fluidos complicados que somente os ciganos sabem fabricar e usar.
Entronizei a bola no espaço mais
nobre das minhas estantes e agora
posso avisar aos meus desafetos que
saiam da frente: lá vou eu! Até hoje,
não compreendi o passado, não entendo o presente, mas poderei adivinhar o futuro, o meu e o dos outros.
O problema é que o futuro dos outros não chega a me interessar. E o
meu é de tal forma previsível e nefasto que nem adianta adivinhá-lo. De
qualquer forma, a bola de cristal não
será inútil. Deu ao meu gabinete um
clima de tenda de mafuá onde as ciganas costumam adivinhar o futuro
da gente.
Já passei horas olhando para ela,
procurando ver alguma coisa, quem
vai ganhar a corrida presidencial, se
o Fluminense vai mesmo ser campeão, se o Osama Bin Laden ainda
está vivo, quem é o pai do filho da
Gloria Trevi, onde estão afinal os ossos de Dana de Teffé.
Nada vi, até agora. Não deve ser culpa da bola, mas culpa minha, que
até hoje não aprendi a olhar.
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