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São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 2003

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Por que votei "não"

JORGE BORNHAUSEN


O governo, satisfeito com sua mediocridade e falta de projeto, festeja. Acha que deu uma demonstração de poder

A dificuldade da oposição no Brasil, hoje, não é identificar fraquezas e erros de varejo do governo -coisas que nunca se viram tanto nem tão bizarras neste país. Basta abrir os jornais. As crueldades do ministro Berzoini, as viagens da ministra Benedita, as trapalhadas do Fome Zero, a insensibilidade do ministro Palocci, penalizando a sociedade com a recusa da correção das tabelas do Imposto de Renda das pessoas físicas.
A grande questão é identificar o governo, que não tem programa, planos, coerência, utopias. Para não falar da ideologia, de que tanto se jactava o PT.
Como nas histórias de fantasmas, nas ficções de absurdo, ou no divertido samba-enredo de Sérgio Porto, estamos diante de um governo doido, que confunde tudo e ainda termina o ano cantando vantagens.
Temos um governo contraditório, aproveitador de oportunidades (que frequentemente merecem ser chamadas, pejorativamente, de oportunistas), soluções efêmeras, tentativas de associações incongruentes (ou, só para argumentar, como é possível combinar no mesmo time -adotando uma metáfora futebolística ao gosto do presidente- Meirelles no BC e Lessa no BNDES, ou Roberto Rodrigues na Agricultura e Rossetto no Desenvolvimento Agrário, se chutam em sentido contrário?).
Pois as reformas que constituíram o grande cavalo-de-batalha legislativo de 2003 -tanto a da Previdência como a tributária- não fugiram ao estilo improvisado, ilógico e descaracterizado do governo petista. Tanto que a aprovação final, no caso da Previdência, no Senado, por uma maioria pífia, não reflete a média de insatisfação, pois obteve votos em negociações inacreditáveis. Por espírito público, e fechando o nariz, muito senadores aceitaram aprovar o ruim para evitar o calamitoso. Um gesto que compreendo, mas não acompanhei.
Votei "não" às duas reformas, que me pareceram, como o governo Lula, contraditórias e de efeitos imprevisíveis, pois não se pode imaginar se prevalecerá a quota dos pontos positivos, já que os negativos são mais numerosos.
Marquei essa posição com declarações de voto bem explícitas. No caso da reforma tributária, comecei lembrando que houve um erro essencial de precedência. Era indispensável alterar antes o pacto federativo para remover casos de duplicidades e triplicidades de competências e que funcionam como insaciáveis ralos dos recursos públicos.
Mas, se faltou essa preliminar formal, houve outra ausência imperdoável: a intenção de simplificar e diminuir o número de tributos, considerada universalmente sinal de racionalidade e eficácia tanto para o governo como para o contribuinte. Pois se fez o contrário -o texto aprovado amplia, confunde, aprofunda a complexidade dos conceitos dos tributos.
O erro seguinte se inscreve na categoria do golpismo institucional, prática que já parece inerente ao exercício do poder neste país: o governo Federal, sorrateiramente, reduz a autonomia dos Estados, unificando a legislação do ICMS, uma forma de lhes tirar poder inerente ao modelo de Federação que adotamos, podando atribuição das Assembléias Legislativas. Golpe é isso, a manobra ardilosa que passa despercebida e violenta regras democráticas importantes, como eram esses espaços de política fiscal e macroeconômica de que devem dispor os Estados.
Na verdade, a reforma fiscal foi apenas uma fachada pretensiosa para que o governo, minúsculo na sua visão, promovesse apenas duas coisas: a restauração da CPMF, com alíquota de 0,38% que se reduziria a 0,08% a partir de 1º de janeiro de 2004, para atender a objetivos de fiscalização do IR e à desoneração dos fundos orçamentários. O resto eram penduricalhos, quase todos perversos, alguns imorais, como as taxações de insumos agropecuários em 329%, e que repercutiriam na cesta básica com aumentos de 7% a 12%.
Haveria a volta do selo-pedágio (que retrocesso!) ou de tributos que impediriam viúvas e órfãos de classe média de desfrutar de heranças de imóveis para moradia, ou que adotariam o valor venal do imóvel para calcular a Contribuição de Limpeza Urbana. Sem falar de escamoteações como a do novo IPVA sobre embarcações e aeronaves, anunciado como punição aos consumidores de barcos de luxo e jatinhos, mas que, foi-se ver, oneraria as passagens aéreas e embarcações de uso popular.
Essas asneiras conseguimos retirar.
Mas o que ficou foram as estúpidas "contribuições" (não me conformo com a nomenclatura fajuta que dá outro nome aos impostos) sobre importação de mercadorias e serviços (pão, macarrão, combustíveis, componentes eletrônicos etc.), sobre o consumo de energia elétrica, sobre importação de petróleo e derivados.
Entre os pequenos avanços, um registro para o aumento do Fundo de Participação dos Municípios, que passa de 22,5% para 23,5%, mais R$ 1,5 bilhão em 2005 e 2006. Essa melhoria da partilha do bolo tributário foi arrancada a fórceps pelo senador José Agripino, líder do PFL, que se revelou extraordinário negociador, tal como o líder Aleluia na Câmara.
O governo, satisfeito com sua mediocridade e falta de projeto, festeja. Acha que deu uma demonstração de poder, mas não revela a que preço. A oposição teve uma dura experiência e merece respeito e reconhecimento, pois não é fácil desafiar a incompetência quando ela assume o governo da República.


Jorge Bornhausen, 66, senador pelo PFL-SC, é o presidente nacional do partido.


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