|
Próximo Texto | Índice
Volta à censura
Delírio normativo na questão da propaganda eleitoral se alastra e representa ataque à liberdade de expressão
É DIFÍCIL acreditar que, 20
anos depois de aprovada
uma Constituição democrática no país, o princípio básico da liberdade de expressão ainda se veja sob o foco de ataques e ameaças. Eles surgem, entretanto, de vários lados,
assumindo por vezes requintes
de casuísmo.
Entrevistada pela Folha, uma
promotora declarou nesta semana que jornais e revistas estão
atualmente impedidos de entrevistar um candidato à prefeitura
a respeito de propostas de governo; que se contentem em perguntar-lhe, por exemplo, "se
gosta de cachorro, gosta de boxe,
gosta de rock-and-roll".
Foi esta a mentalidade que
orientou uma sentença em primeira instância contra a revista
"Veja" e esta Folha, que entrevistaram postulantes às eleições
municipais. O jornal "O Estado
de S. Paulo" se vê às voltas com
idêntica investida.
Casos semelhantes ocorrem
em outras regiões do país, segundo dados coligidos pelo
Knight Center for Journalism,
da Universidade do Texas. Numa cidade de Santa Catarina, um
jornal foi multado por estampar
a foto de um vereador, que usava
uma camiseta pedindo votos para um candidato. Em Minas, os
quatro jornais de um município
foram instados por um promotor a não publicar os nomes dos
postulantes à prefeitura.
Sem dúvida, cabe à Justiça zelar pelo cumprimento da legislação eleitoral, que regula a propaganda dos candidatos. Neste âmbito se inscrevem a realização de
comícios, a publicação de anúncios pagos na imprensa, o uso do
horário gratuito. Nada disso se
confunde com a atividade jornalística -a menos que se queira a
volta da censura no país.
Não apenas sobre jornais e revistas, mas também sobre a internet, o casuísmo regulatório se
apresta a abusos inaceitáveis.
Consultado sobre o tema, o Tribunal Superior Eleitoral preferiu não emitir regras genéricas,
como sobre a eventualidade de
blogueiros e participantes de
grupos de discussão manifestarem apoio a candidatos. Irá analisar, caso a caso, os diferendos
que vierem a ocorrer.
Nem por isso o delírio normativo se vê refreado. Nesta sexta-feira, os presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais decidiram recomendar que mensagens
de texto por celular (os chamados "torpedos") sejam proibidos
na semana das eleições.
Os "spams" também estão sob
suspeita; como impedir, entretanto, que um cidadão manifeste
suas preferências e aversões políticas a um grupo indeterminado de destinatários? Pode-se, em
tese, punir apenas o candidato
que se beneficie de tais mensagens. Como saber, então, se não
foi o seu rival quem as emitiu?
O progresso tecnológico tende,
felizmente, a tornar anacrônicas
as iniciativas desse gênero. Não é
apenas anacrônica, mas sim
atrasada e obscurantista, entretanto, a mentalidade de quem, a
pretexto de regulamentar a propaganda, atinge no seu cerne a liberdade de expressão.
Próximo Texto: Editoriais: Deterioração rápida Índice
|