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Diplomacia infeliz
Com menção absurda ao nazismo, Celso Amorim fornece pretexto gratuito a nações ricas, que não querem fim de subsídios
COMEÇOU MAL mais uma
tentativa de destravar as
negociações da Rodada
Doha de liberalização
comercial. Desta feita, o protagonista do mal-estar que envolveu
os principais negociadores reunidos em Genebra foi o chanceler brasileiro, Celso Amorim.
Num esforço para descrever o
ponto de vista do bloco de países
que advoga pela redução dos
subsídios que as nações mais ricas destinam a seu setor agrícola,
Amorim teve a infeliz idéia de citar o ministro da Propaganda de
Adolf Hitler, Joseph Goebbels.
"O autor não é bom, mas é verdade: uma mentira dita muitas vezes vira verdade", disparou.
Ele criticava a impressão difundida pelos países desenvolvidos de que o entendimento sobre
agricultura estava adiantado e
que um acordo dependia apenas
das negociações industriais, em
que os emergentes vêm sendo
instados a aceitar reduções de tarifas mais substanciais.
A reação à fala de Amorim foi
imediata. "Incrivelmente errada" e "insultante" foram alguns
dos termos utilizados pela representação norte-americana para
qualificar as observações do chefe da chancelaria brasileira. Já os
europeus escolheram a expressão "altamente lamentável".
É de fato absurdo que um diplomata do calibre de Amorim
tenha cometido erro tão primário. Para além da deselegância
-a representante dos EUA, Susan Schwab, é filha de sobreviventes do Holocausto nazista-,
ele deu a seus adversários uma
vantagem inicial ao oferecer-lhes um bom pretexto para dar
início às negociações criticando
a posição do Brasil e seus aliados.
Ressalte-se que, desta vez, o
Itamaraty e o próprio Amorim,
ao contrário do que muitas vezes
fazem, tiveram a sabedoria de
não perseverar no erro. Reconheceram a falha e pediram desculpas pelo incidente.
As negociações já são complexas e difíceis demais sem a introdução de falsas polêmicas.
Embora todas as partes concordem em que devem concordar, quando se detalham os compromissos de cada qual para a
maior abertura torna-se virtualmente impossível forjar um consenso. De um lado, EUA e União
Européia só se dispõem a reduções mínimas nos limites máximos a seus subsídios agropecuários em troca de concessões
maiores das nações em desenvolvimento na área industrial e
de serviços. De outro, os países
em desenvolvimento agrupados
sob a rubrica do G20, do qual o
Brasil é uma das lideranças, relutam, com razão, em ceder tanto
em troca de tão pouco.
Para agravar ainda mais o quadro, a janela para um acordo está
se estreitando. Os EUA, sem os
quais qualquer acerto é impensável, estão entrando num processo eleitoral do qual emergirão
um novo presidente e um novo
Congresso, cujas posições acerca
de Doha não são conhecidas. Na
Europa, as divisões entre nações
mais e menos protecionistas seguem favorecendo uma política
ambígua. Também o G20 constitui um bloco menos coeso do que
fazem sugerir certos relatos publicados da imprensa mundial.
Assim, não será exatamente
uma surpresa se mais essa tentativa de salvar Doha fracassar. É
fato que o mundo pode sobreviver sem esse acordo, mas também é verdade que avanços nessa área poderiam favorecer os
países mais pobres, não por acaso os que mais estão sofrendo
com a alta de preços agrícolas.
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