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CARLOS HEITOR CONY
A grande festa
RIO DE JANEIRO - Não sei se estou bem informado, mas, antigamente, o
dia de hoje era o início da primavera.
Os tempos mudam e nós mudamos com eles -""tempora mutantur et
nos cum illis", como disse o poeta Virgílio. E tudo é possível, como diria
Machado de Assis.
Já contei aqui uma das maiores decepções de minha vida, um desencanto que até hoje me persegue e me
faz duvidar de tudo. Os jornais e os
rádios anunciavam que a prefeitura
promoveria uma festa da primavera
na Quinta da Boa Vista, o monumental jardim em volta do antigo
palácio imperial dos dois Pedros, o
primeiro e o segundo.
Disseram-me maravilhas dessa festa e dessa primavera. Pássaros cantando, flores nascendo, eflúvios balsâmicos -não, ninguém me falou
nesses eflúvios balsâmicos, eu é que
estou falando por conta própria e pela memória corrompida pelo tempo e
pelas circunstâncias.
Fiz questão de ir à festa prometida.
Enchi o saco do pai, que nunca se enchia de nada, estava sempre afim de
uma festa, fosse qual fosse, viver para
ele uma festa. Para agravar a minha
expectativa, ele aumentou, também
por conta própria, o encanto da festa,
prometendo-me doces com as frutas
da estação e músicas cantadas pelos
meninos que vinham de Viena para
abrilhantar o evento com canções de
Schubert e de outros compositores românticos.
Foi -como disse- a decepção
inaugural da minha estada neste
mundo. A festa se resumia a umas
bananeiras de papel crepom verde, a
umas moças de pernas de fora distribuindo uma propaganda das obras
municipais em andamento, a uma
carrocinha combalida, fedendo a
querosene e vendendo algodão-doce
-foi a primeira vez que vi algodão-doce colorido, uns eram azuis, outros
eram rosa.
Não havia nenhum menino cantor de Viena, nenhuma canção de Schubert. Havia, isso sim, um alto-falante medonho e fanho que tocava dobrados militares e pedia votos para um vereador amigo do prefeito.
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