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CLÓVIS ROSSI
O mau exemplo que deu certo
LOS ANGELES - Tempos atrás, depois de um encontro profissional com
uma personalidade japonesa, o embaixador do Brasil em Tóquio, Ivan
Cannabrava, recebeu do interlocutor
um melão de presente. Ficou feliz da
vida, certo de que havia conquistado
um amigo importante para as relações Brasil/Japão.
Feliz com um melão como presente? Sim, felicíssimo. Melões são estupidamente caros no Japão. Aliás,
quase tudo no Japão é infernalmente
caro, mas o preço do melão supera
qualquer racionalidade.
Culpa do protecionismo agrícola,
claro. Os japoneses preferem pagar
preços delirantes a reduzir as tarifas
para importar alimentos em geral no
pressuposto de que estão defendendo
o bem-estar de seus produtores rurais
e a segurança alimentar.
Num país que foi arrasado durante
a Segunda Guerra Mundial (1939/
45), entende-se a preocupação em assegurar o abastecimento interno sem
depender muito de importações, ao
menos no que é vital para a dieta japonesa (o arroz, por exemplo, para o
qual a tarifa é de 490%).
Foi usando essa muralha protetora
também em outros setores (indústria
automobilística, por exemplo) que o
Japão conseguiu sair das cinzas da
guerra para, em 30 anos, pouco mais,
pouco menos, transformar-se na segunda potência econômica do planeta e na terceira maior renda per capita, além de ser (ou principalmente
sendo) uma sociedade razoavelmente homogênea. Muito homogênea se
comparada com o Brasil, em especial,
mas também com os EUA.
Nos dez ou 12 anos mais recentes,
no entanto, a economia japonesa entrou em coma. Parece o Brasil com a
inflação: não há plano econômico
que consiga reativar a economia.
Ainda assim, na superfície ao menos, a crise é imperceptível e a sensação é, ao contrário, de vigor. Mas é
um mau exemplo para o neoliberalismo: fazendo o que hoje é anátema,
o Japão deu tão certo que tem gordura para queimar durante anos e anos
de coma econômico.
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