São Paulo, domingo, 23 de maio de 2004 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES Sem projeto de nação LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Existe hoje um sentimento generalizado de frustração em relação
ao governo, mas a culpa pela falta de um
projeto não pode ser atribuída apenas a
ele. É verdade que as esperanças não se
concretizaram. Embora tendo sido eleito com uma plataforma de crítica à política econômica anterior, o novo governo deu-lhe a mais estrita continuidade.
Na busca de crédito e credibilidade junto a Washington e Nova York, e ao sistema financeiro, o Ministério da Fazenda
e o Banco Central submeteram-se ainda
mais às suas orientações.
O desenvolvimento capitalista e nacional, porém, nada tem a ver com o credo neoliberal e globalista que a América Latina aceitou docilmente nos anos 90, enquanto os países asiáticos dinâmicos o recusavam. O extraordinário desenvolvimento da China nos últimos 30 anos é fruto da revolução capitalista e nacional de Deng Xiao Ping, e não da aceitação das políticas econômicas e reformas institucionais promovidas pelo FMI e pelo Banco Mundial. O diretor econômico do Banco Mundial, François Bourguignon, atribuiu, em artigo recente, o êxito da China à adoção das "reformas". Não compreende que a construção do capitalismo na China pouco tem a ver com as reformas que sua instituição promove. O Brasil tinha todas as condições para se desenvolver nos anos 90, depois do grande processo de ajustamento fiscal e de reforma por que passou, mas não o fez porque se submeteu a uma ideologia antinacional. Em vez de reconstruir o Estado e se reafirmar como nação, para poder retomar o desenvolvimento, o Brasil permitiu que essa ideologia desorganizasse ainda mais o Estado nacional brasileiro. Em vez de conduzir uma política macroeconômica que efetivamente estabilizasse as suas contas externas e públicas, aceitou a "estratégia" de crescimento com poupança externa que valorizou o câmbio, promoveu o consumo e até hoje legitima a manutenção de uma taxa de juros básica absurda. Nos anos 50 e 60, Celso Furtado e Helio Jaguaribe explicaram o desenvolvimento como um processo de revolução nacional que se expressava na transferência dos centros de decisão para dentro do país. Ao fazerem tal afirmação, baseavam-se na experiência de todos os países que haviam realizado sua revolução capitalista e nacional. Nos anos 80 e 90, porém, a revolução nacional brasileira paralisou-se; e o Brasil ficou sem o conceito de nação. É inútil, porém, criticar apenas o governo. Muitos dos que agora o acusam de não ter projeto têm como projeto alternativo o neoliberal, que já fracassou em toda a América Latina. Têm em mente um projeto que não atende aos interesses do desenvolvimento capitalista brasileiro, mas aos interesses dos países ricos. É preciso cobrar do governo um projeto, pois cabe a ele a liderança; mas é preciso também discutir qual deve ser esse projeto. Uma estratégia de desenvolvimento bem-sucedida depende essencialmente da existência do conceito de nação -um conceito que foi perdido, mas pode ser resgatado. Luiz Carlos Bresser-Pereira, 69, é professor de economia da FGV-SP. Foi ministro da Ciência e Tecnologia e da Administração Federal e Reforma do Estado (governo FHC), além de ministro da Fazenda (governo Sarney). É autor de, entre outras obras, "Desenvolvimento e Crise no Brasil" (Editora 34). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Frei Betto: Argos x Esparta Índice |
|