São Paulo, domingo, 23 de maio de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Argos x Esparta FREI BETTO
José Luís Zapatero, presidente do
governo espanhol, disse não à coligação bélica que, sob o comando dos
EUA, ocupa o Iraque. Antecipou o retorno de suas tropas, antes previsto para
30 de junho. A Espanha não crê que o
Conselho de Segurança da ONU seja capaz de suplantar a hegemonia americana no Iraque e, assim, estabelecer as vias
da paz imediata. A situação no país ocupado se deteriorou de tal maneira que
"as forças espanholas já não podem
cumprir sua missão de garantir a segurança do país", anunciou o governo de
Zapatero.
O terror rompe as fronteiras dos campos de batalha, agora alargadas para o centro de Nova York ou as estações ferroviárias de Madri. Suas táticas desarmam estratégias, sua invisibilidade desorienta as forças convencionais, sua irracionalidade surpreende a nossa lógica. Só há duas maneiras de combater o terror. A primeira, entrando no seu jogo e abraçando a lei de talião: o terrorismo de Estado. É uma opção imoral e inútil. Sacrifica inocentes, favorece a corrupção e aniquila, antes, o governo que o acoberta. A segunda, mais difícil e eficaz, é combater as suas causas -desigualdades, discriminações, fundamentalismos e exclusões. Enfim, seguir o conselho milenar do profeta Isaías, promover a justiça para obter a paz. Conta Heródoto que, em 546 a.C., a cidade de Argos entrou em conflito com Esparta. No campo de batalha havia 300 soldados de cada lado, em respeito ao equilíbrio de forças. A disputa, acompanhada à distância por espartanos e argivos, terminou com apenas três sobreviventes: um espartano e dois argivos. O primeiro manteve-se no terreno da guerra, enquanto a dupla inimiga retornou a Argos. Esparta comemorou a vitória por não fugir do campo de batalha. Argos também proclamou-se vencedora, por sua superioridade numérica no balanço final. Essa competição retórica transmutou-se em arrogância, que se fez prepotência, que acabou numa batalha renhida entre os habitantes das duas cidades. Se não prestarmos atenção no exemplo da Espanha, logo todos nós deixaremos de ser espectadores para assumir o protagonismo na carnificina geral. Ontem foram os hereges e judeus; hoje, os muçulmanos e árabes; amanhã... Como Argos e Esparta, estaremos nos enfrentando segundo a lógica do terror, que imprime ao genocídio e ao suicídio um gosto necrófilo de vitória. Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, 59, frade dominicano, escritor, é assessor especial da Presidência da República. É autor, entre outras obras, de "Típicos Tipos - coletânea de perfis literários" (A Girafa). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Luiz Carlos Bresser-Pereira: Sem projeto de nação Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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