|
Próximo Texto | Índice
CRIME E CASTIGO
O monstruoso assassinato do
casal de namorados Liana
Friedenbach e Felipe Caffé deixou o
país profundamente indignado. O
caso repugna qualquer um que preserve mínimas noções de convívio
social, justiça, respeito à vida e dignidade humana. Agrava esse sentimento o fato de vivermos numa sociedade amedrontada pela banalização do crime, na qual a sensação de
insegurança e impunidade -já tremenda- é crescente. Mais do que
considerações sobre direitos e justiça, o crime despertou um imediato e
compreensível desejo de vingança. E
ele foi aguçado pela percepção de
que a brutalidade do homicídio contrasta com a internação máxima de
três anos reservada ao adolescente
que teria liderado a súcia assassina.
Cobram-se, portanto, medidas
mais graves do Estado. Reclama-se
entre outras, a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. A Folha
tem tradicionalmente se manifestado contra essa aparente solução e publicou recentemente editorial com
argumentos nesse sentido.
Agora, o governador de São Paulo,
Geraldo Alckmin, provavelmente
percebendo a oportunidade política
que se lhe descortina, reagiu propondo alterações no ECA (Estatuto da
Criança e do Adolescente) de modo a
permitir internações por prazo mais
dilatado. Pelo projeto, menores poderiam, como regra, ficar reclusos
por até oito anos. Em casos de reiteração, o período chegaria a dez anos.
Faz mais sentido, de fato, a idéia de
modificar o ECA, e não a Constituição, que estabelece a maioridade penal no entender de alguns juristas em
cláusula pétrea, portanto, imune a
emendas. O ECA, sem dúvida, está
longe de ser uma peça jurídica perfeita e, entre outras melhorias, poderia
ser alterado para comportar medidas
socioeducativas mais severas -não
necessariamente os oito ou dez anos
de Alckmin- aplicáveis aos que cometam crimes de maior gravidade.
O agravamento das sanções seria
um fator a mais de intimidação e
contribuiria para desfazer o sentimento de desproporção entre certos
delitos cometidos por menores e
suas consequências legais.
Tão importante, porém, quanto
aperfeiçoar o estatuto -ou provavelmente ainda mais- é cumpri-lo.
Aqui, o ímpeto do governador em
apresentar mudanças na lei contrasta com os péssimos resultados apresentados pela Febem paulista.
Se queremos que as unidades de internamento deixem de ser escolas do
crime e se tornem lugares em que
parte dos menores pelo menos conseguirá ressocializar-se, é preciso
adotar uma série de medidas previstas no ECA que nem sempre são
cumpridas. Separar os adolescentes
por periculosidade, por tipo de delito
e por porte físico é apenas o começo.
Dar-lhes condições de estudar e de
aprender uma profissão é um prosseguimento fundamental.
Dirão alguns que a recuperação em
certos casos é impossível. Talvez de
fato o seja. Não há, contudo, como a
lei tornar a humanidade perfeita ou
plenamente corrigível. Restaria, nesse caso, advogar a prisão perpétua
ou, como pretendem alguns, a pena
de morte. Ainda assim, nada indica,
nos países que adotam esses mecanismos, que eles tenham efeito sobre
os índices de criminalidade ou sobre
a repetição, ao longo do tempo, de
casos bárbaros de assassinato.
O que realmente diminui a ocorrência de crimes, além de mais educação, mais oportunidade de trabalho e menos desigualdade, é a certeza de que não haverá impunidade.
Os escandalosos índices de violência
brasileiros baixarão quando tivermos uma polícia firme e preparada
que investigue, prenda e reúna provas consistentes, um Judiciário que
julgue em tempo hábil e um sistema
penitenciário eficiente. Cumprisse o
Estado a legislação já existente de
combate ao crime e enfrentasse o
dramático apartheid social, o que
hoje se apresenta à sociedade como
regra poderia, enfim, surgir como
tristes e lamentáveis exceções.
Próximo Texto: Editoriais: A REDE COMO ELA É Índice
|