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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES
João Carlos Martins
São raras as vezes em que o público se alegra com a despedida de
um artista.
Despedidas são marcadas por melancolia e tristeza de seus admiradores. Este, porém, não foi o caso da retirada de João Carlos Martins como pianista. Ao contrário, o concerto realizado na última segunda-feira, na Sala
São Paulo, foi dominado por uma inusitada alegria, que tomou conta do público que ali assistiu à metamorfose de
um grande pianista em um magnífico
maestro.
A estréia do novo regente foi das
mais festivas. Havia anos que os seus
impedimentos físicos vinham gerando apreensão entre os amantes da
música. Especialista em Bach, Martins
dominou um dos mais completos repertórios para piano solo, música de
câmara e peças orquestrais, tendo obtido o reconhecimento do mundo inteiro.
Jamais se deixou abater pela infelicidade da doença que atingiu suas
mãos. Como executante da mão esquerda, o artista firmou-se junto aos
públicos e críticos dos mais exigentes
dada a beleza de sua interpretação.
Nessas condições, o pianista ofereceu
a todos, e por muitos anos, o que há de
mais precioso na arte do piano. Despediu-se dos brasileiros executando
um emocionante, comovente e inesquecível hino nacional.
Martins teria tudo para retirar-se da
vida artística, mas o pianista sempre
buscou forças adicionais, forças essas
que o levaram ao ofício de regente e, já
na primeira apresentação, o fez com o
maior brilho, conduzindo a orquestra
sem o apoio de partitura, porque João
Carlos Martins conta, inquestionavelmente, com o apoio de Deus.
Mais tocante foi descobrir os passos
iniciais da nova caminhada do maestro. Com a alma desprendida e com
enorme amor ao próximo, João Carlos juntou-se ao maestro Silvio Baccarelli para ensinar e reger músicos humildes que moram no conjunto de
Heliópolis, na periferia de São Paulo,
em uma época em que poucos põem
fé na veia artística dos brasileiros mais
simples.
Ledo engano. Aqueles jovens formam hoje uma bela orquestra sinfônica, na qual têm demonstrado a sua
enorme vontade de apreender, a sua
extraordinária disciplina e a sua alta
criatividade -tudo isso exibido ao
público em inúmeras apresentações
realizadas na capital e no interior de
São Paulo.
Juntamente com o maestro Silvio
Baccarelli, João Carlos Martins conduzirá os jovens de Heliópolis e muitas outras orquestras que, em pouco
tempo, descobrirão sua sublime competência na arte da regência.
Assisti aos últimos concertos do
grande pianista e ao primeiro do magnífico regente. A tristeza que me assolou nas apresentações do pianista foi
inteiramente substituída pela alegria
que dominou minha alma ao assistir
ao novo, brilhante e jovem maestro.
Parabéns, João Carlos! Continue como sempre -um excepcional artista
e um grande brasileiro.
Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.
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