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CARLOS HEITOR CONY
Do direito de não informar
RIO DE JANEIRO - Evidente, é o progresso. Os meios de comunicação,
com os recursos tecnológicos de hoje,
colocam os personagens da comédia
humana em exposição quase total.
Acompanhamos o cotidiano, invadimos a privacidade alheia com as câmaras, os vídeos, as escutas telefônicas, as tomografias computadorizadas dos doentes, o estado terminal
dos moribundos.
Desde o pé enfaixado do presidente,
as tíbias esquálidas do delegado suspeito de mutretas graves, o aparelho
urinário do governador que estava
morrendo de câncer generalizado,
tudo fica escancarado na TV, nas revistas e nos jornais em nome do sagrado direito que tem o povo de estar
informado.
Pessoalmente, não considero sagrado esse direito, duvido até mesmo de
que tenhamos o direito de saber tudo
de todos. Trabalhei durante anos
com um repórter -dos melhores que
conheci- que foi entrevistar um deputado recém-eleito, na faixa da
meia-idade, e quis saber se ele tomava Viagra.
Certa vez, o fotógrafo de uma revista foi à minha casa e queria fotografar os meus sapatos. O pauteiro da
matéria garantira que eu possuía
uma esplêndida coleção de sapatos
italianos, eu seria uma espécie de
Imelda Marcos, a mulher do ditador
filipino, que tinha mais de mil pares
de sapatos.
Quem estaria interessado nos meus
tênis esmolambados, nas vias urinárias do governador já morto, em
quem toma ou não toma viagra? Vi,
na semana passada, a foto do pé enfaixado de Lula. Recebi uma informação que não me interessava.
Como vingança, darei uma informação que não deve interessar a ninguém: estarei fora do país por uma
semana. Pessoas mal informadas, em
Paris e em Lyon, querem saber como
vai a literatura brasileira. Talvez
aproveite a oportunidade e fale sobre
a coleção de sapatos italianos que
não tenho.
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