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ELIANE CANTANHÊDE
O mal e o bom combate
BRASÍLIA - Certa vez, há poucos anos, um menininho aproveitou o sinal fechado e se debruçou na janela
do meu carro, ameaçadoramente.
Sujo, fedido, não passava de um toco
de gente. E eu morri de medo dele.
Nunca esqueci aquele menininho, o
medo, a culpa enorme -pela desigualdade, pela falta de perspectiva,
pelo que estamos fazendo com as
nossas crianças. E a culpa pelo medo,
por sentir medo.
A cada crime bárbaro que envolve
menores, começa essa histeria pela
redução da maioridade penal para
16 anos. Amanhã para 10? Ou 8? Que
tal cortar o mal pela raiz e impedir o
nascimento dessa gentalha?
O ECA (Estatuto da Criança e do
Adolescente) está completando 13
anos, tão esquecido e tão vilipendiado, coitado. Mas não custa lembrar
algumas de suas, digamos, pregações:
1) "(...) assegurando-se-lhes (...) todas as oportunidades, a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social em
condições de liberdade e dignidade";
2) "É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade (...)";
O que sempre me pergunto é por
que, então, a histeria não é pelo ECA.
Ou por empregos, salários, boas condições de vida, educação digna, justa
distribuição de renda. Que tal se ficássemos todos histéricos, cobrando
tudo isso para as nossas crianças hoje
jogadas às ruas, à fome, ao trabalho
escravo, à prostituição, à morte?
Discutir a questão dos menores que
cometem crimes hediondos é razoável. Mas sem que, a cada assassinato
bárbaro, tenhamos de aderir à onda:
redução da maioridade penal, pena
de morte, trucidar menores tão vítimas quanto suas vítimas.
Mesmo que o mundo inteiro e a
maioria dos brasileiros sejam a favor
disso, eu serei contra. E não posso esperar nada diferente de um governo
do PT. Princípios, sim. Aderir a
maiorias por conveniência, jamais.
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