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CARLOS HEITOR CONY
Cena de aeroporto
RIO DE JANEIRO - O vôo atrasou. Dez minutos apenas. Muitos dez minutos depois, os passageiros ficaram
irritados, menos a velhinha que, sentada ao lado do marido, este irritadíssimo, fazia crochê.
Numa bolsa de plástico estava o novelo de linha branca. Os óculos na
ponta do nariz, a página arrancada
de alguma revista especializada, a
velhinha permanecia imperturbável,
os dedos guiando a agulhinha, os lábios como se estivessem rezando, na
verdade, apenas contando os pontos
de cada fileira. Parecia em início de
trabalho, volta e meia parava e consultava a receita que estava seguindo. Nem bola para o atraso do vôo.
Dava a impressão de que ficaria frustrada se de repente fosse chamada
para embarcar. O clima diante do
portão 15 ficara tenso, e ela nem estava ali, perdida em dar aqueles pontos complicados.
Pensei em minha mãe, em minhas
tias, que também faziam crochê. E
me lembrei de Goebbels, o ministro
da Propaganda do nazismo. Uma de
suas frases mais bem-sucedidas em
favor do regime de Hitler, antes da
guerra, foi espalhada pelo rádio e por
cartazes em todas as ruas: "A mulher
alemã voltou a fazer crochê".
Seria um símbolo de paz, de vida
mansa e útil, um retorno ao país
ideal, doméstico. Bem verdade que
pouco depois a mulher alemã largou
o crochê e foi trabalhar na indústria
de guerra, ou tomar conta dos pavilhões femininos dos campos de concentração.
Foi nisso tudo que pensei, na mãe,
nas tias, no retorno tranqüilo das
mulheres de todo o mundo que faziam crochê e deixavam de fazer outras coisas.
O vôo realmente demorou. Esqueci
o relógio e, sentado em frente à mulher que fazia crochê, fui contando as
fileiras que iam se somando a outras.
Fileiras que foram crescendo, do colo
dela caíram ao chão. O trabalho rendia. De dez em dez minutos, avisavam que o vôo atrasaria dez minutos. Me deu vontade de aprender a
fazer crochê.
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