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VINICIUS TORRES FREIRE
Os catadores de papel
SÃO PAULO - É só impressão, mas São Paulo parece a cidade em que os
catadores de papel e suas carroças
mais estão integrados à paisagem. Os
paulistanos, em especial os mais ricos, apresentam um terrível pendor
para degradar paisagens. Não deveria ser surpresa, pois que cada vez
mais vejo paulistanos motorizados
com ganas de atropelar os catadores
e suas carroças. Atrapalham o trânsito, sabe como é. Quanto a parar o
carro em fila dupla diante de restaurante ou escola, tudo bem. O problema é o carroceiro.
Os catadores são heróis do empreendedorismo, do associativismo,
do desenvolvimento sustentável, da
conservação ambiental, vanguarda
do terceiro setor -para usar cinicamente uns clichês destes dias.
O país recupera menos de 5% de
seu lixo. Mas recicla cerca de 80% de
suas latinhas e é também um grande
regenerador de papelão, duas especialidades dos catadores. Tal sucesso
deve-se, em parte, ao governo FHC.
Fábricas de latinhas e de papel e o
ambiente devem agradecimentos ao
desemprego de Pedro Malan e cia.,
que barateia o trabalho do catador.
Mas não menospreze a triste bravura dessa gente. Além de tornar fábricas mais eficientes, o catador poupa
dinheiro de prefeituras, que gastam
menos com as notórias empreiteiras
do lixo; poupa a eletricidade do fabrico de latinhas de alumínio; limpa
ruas, ajuda a evitar o entupimento
de bueiros e as enchentes.
Catar lixo é o emprego de um terço
dos moradores de rua de São Paulo.
A maioria não ganha R$ 300 mensais para puxar a carroça de 100 kg
(300 kg se cheia), sob chuva e sob sol,
sem direitos sociais. Muitos dormem
em grupos nas ruas horrivelmente
imundas do centro de São Paulo e assustam motoristas quando vão filar
um cigarro no sinal de trânsito. Como não roubam, ganham um elogio
quase odiento: "Pelo menos trabalha, não é bandido", como se pobreza
fosse o vestíbulo inevitável do crime.
Na esquina seguinte, o motorista aliviado recomeça o insulto contra o
trânsito das carroças.
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