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CARLOS HEITOR CONY
Nossas bossas
RIO DE JANEIRO - A mídia paulista, e os paulistanos de maneira geral,
costumam reclamar dos cariocas a
citação compulsória do Nelson Rodrigues, que era pernambucano, mas
expressou como ninguém o logos e a
práxis do Rio de Janeiro. Acontece
que, quando outro pernambucano, o
presidente Lula, fala em auto-estima,
a citação de Nelson Rodrigues é obrigatória.
Dizia ele que o brasileiro é um Narciso às avessas, cospe na própria imagem em vez de se enamorar dela. Há
motivos para isso. Em tempos mais
amenos, caiu em desgraça o ufanismo do conde Afonso Celso. E havia
aquele verso fatal que nos ensinavam
na escola: "Criança, ama com fé e orgulho a terra em que nasceste". Ary
Barroso, que era mineiro, até hoje é
criticado pelo seu Brasil brasileiro,
terra de samba e pandeiro, sem falar
no coqueiro, que, entre outras coisas,
dá coco.
Lula deve estar atravessando uma
crise de auto-estima, daí que apela
para nós todos, pedindo que tenhamos mais amor, confiança e orgulho
em nossas verdes matas, nossas murmurantes cascatas, nossos ídolos históricos e esportivos, em nós mesmos
no final de tudo.
Nada contra. Há povos que se consagraram pelo excessivo amor a si
próprios. Um ditado em latim, por sinal um dos mais macarrônicos que
conheço, explica que ninguém ama a
sua pátria porque ela é grande, mas
porque ela é sua: "Nemo patriam,
quia magna est, amat, sed quia est
sua" (Sêneca).
Acho até que o brasileiro nunca estará satisfeito consigo e com a terra
em que nasceu. Expressa um anticonformismo, um apelo de maioridade, de transcendência. Somando ao
natural instinto da avacalhação, coisa nossa como a prontidão e outras
bossas, cuspir na própria imagem é,
ao mesmo tempo, uma catarse e uma
esperança de amanhã chegarmos onde Lula chegou: lá.
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