São Paulo, domingo, 25 de julho de 2004

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ELIANE CANTANHÊDE

Fortes e fracos

BRASÍLIA - O ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) reclama com certa razão que, quando o Brasil negocia com Argentina, Paraguai e Uruguai, todo mundo exige que seja duro e bata na mesa. Já quando é com os EUA e com a União Européia, a cobrança é ao contrário: para ser dócil, comedido e "realista".
Em resumo: o que se exige é que o Brasil seja forte diante dos mais fracos e fraco diante dos mais fortes. Mas isso é fácil. Difícil é fazer o oposto.
Sob esse princípio, Lulinha, Celsinho e Marquinho (o assessor internacional da Presidência) foram todos paz e amor quando a Argentina chutou a canela, exigindo cotas para geladeiras, fogões e lavadoras brasileiras. Nenhum deles enfrentou de cara os portenhos e afins. As declarações foram de uma leveza rara.
A "diplomacia pró-ativa", ou seja, da canelada, só entrou em campo contra americanos e europeus quando o Brasil liderou: 1) a criação do G-20 (atual G-X) na Organização Mundial do Comércio, a OMC; 2) o impasse com os EUA na Alca, que era prevista para janeiro de 2005, mas ninguém fala mais nisso; 3) a suspensão do acordo Mercosul-União Européia, que seria fechado em outubro, mas está cheio de interrogações.
Como é muito difícil prever o que essa braveza toda vai render ao país e ao Mercosul em termos práticos, criou-se uma torcida "ame-o ou deixe-o" para Amorim; endeusado por uns, demonizado por outros.
O mais prudente, porém, é não endeusar nem demonizar. Apenas admitir que a diplomacia brasileira tem um rumo ousado -portanto, arriscado. Pode ou não dar certo. Talvez não seja pragmático, mas não deixa de lavar a alma ver que é possível ser mais dócil com países como a Argentina e dizer "não" para EUA e UE.
De Amorim: "Que ninguém pense que nós estamos desesperados por um acordo. Nós queremos um acordo, sim, mas não a qualquer custo". Falou da UE, mas vale para a Alca.
Ou seja: os acordos vão sair, mas há que batalhar pelos interesses do Brasil e da região. Os negociadores, aliás, são pagos exatamente para isso.


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