São Paulo, domingo, 25 de agosto de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A ciência contra a desigualdade
PETER RAVEN e ALAN LESHNER
A miséria e outros problemas mundiais que estarão em debate no encontro em Johannesburgo parecem ser insuperáveis. Em várias cidades dos países em desenvolvimento, a população tem respirado um ar cuja qualidade a OMS qualifica como abaixo dos níveis aceitáveis. Condições precárias de saneamento básico são a norma para 2 bilhões de pessoas. Mais de 1 bilhão de seres humanos não têm acesso a água tratada. Metade da população mundial está malnutrida, e a oportunidade de educação é simplesmente negada a centenas de milhões de mulheres e crianças. A ciência tem avançado muito na busca de respostas para esses problemas, mas a maioria das nações em desenvolvimento ainda carece de infra-estrutura que permita a elas aplicar localmente os avanços científicos em longo prazo. Por exemplo, o genoma do arroz, recentemente publicado, promete levar a melhorias que podem aumentar a produção dessa fonte primária de alimento para centenas de milhões de pessoas. Mas, se esforços não forem feitos explicitamente no sentido de assegurar que esses avanços estejam acessíveis e sejam transferidos aos países em desenvolvimento e tornados viáveis em contextos locais, o conhecimento sobre o genoma do arroz não será aplicado de modo adequado. Quais são, especificamente, as contribuições que a ciência e a engenharia podem dar ao desenvolvimento de uma sociedade mais justa? Em um relatório de 1999, o Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos avaliou que as tecnologias já existentes poderiam fazer essa transformação em um prazo de duas gerações, sem que nenhum outro novo avanço tecnológico significativo, bem como mudanças sociais, fosse necessário. Por exemplo, pode-se dar às mulheres acesso à educação e aconselhamento para que elas tenham condições de fazer um planejamento familiar adequado. Avanços podem ser obtidos em relação à qualidade do ar e da água. Programas de conservação ambiental podem ser implementados para reduzir a quantidade de terras exploradas para uso comercial. O relatório ressalta que a mobilização das forças da ciência e da tecnologia requer a colaboração dos líderes políticos e das comunidades científicas mundiais. Mas isso acontecerá se a população em geral adquirir conhecimentos básicos, além de habilidade técnica e social para colocá-los em prática. E isso, por sua vez, só será alcançado com vontade política, não apenas nos países em desenvolvimento, mas também nos países industrializados, onde hoje trabalham cerca de 90% dos cientistas. Juntos, os países do Norte têm um empreendimento científico e tecnológico robusto que impulsiona seus avanços econômicos e nas áreas de saúde. Ajuda técnica e científica é parte necessária para a solução dos problemas dos países em desenvolvimento. A experiência do Brasil e de outras nações onde a pesquisa científica e tecnológica tem crescido por iniciativa própria demonstra a importância do apoio a esses esforços. Em um período de grandes dificuldades econômicas, isso seria a contribuição mais verdadeira e duradoura. Nós, cientistas, sabemos o que fazer, mas precisamos da ajuda de brasileiros e norte-americanos, bem como da inspiração, que certamente virá, da vontade política nascida do interesse de cada cidadão desses países. Peter H. Raven, 66, é presidente do Conselho da Associação Americana para o Avanço da Ciência. Alan I. Leshner, 58, é diretor-executivo da Associação Americana para o Avanço da Ciência e publisher da revista "Science". Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Viviane Senna: Desenvolvimento humano Índice |
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